domingo, 23 de fevereiro de 2014

Diário de Bordo

É sabido que a fama é um poderoso agente desincentivador de qualidade. O caso mais grave que me ocorre é Paul Auster, cujo génio parece desastradamente ligado à necessidade de pagar a renda da semana seguinte e a quem desejo, do fundo do coração, um rápido retorno à vida de miséria que o obrigará a escrever livros de jeito e me devolverá o prazer de os ler. 
Jack Sparrow não foge à regra.
Chegou poucos dias depois de ter recebido a minha mensagem desesperada e a desilusão geral espalhou-se antes do pequeno almoço do dia seguinte.  
Esperávamos um Pirata tenebroso que, com a sua inata malvadez, nos guiasse por entre as vagas desta enjoativa crise financeira até à calmia de um porto cheio de ouro e riquezas. Ou, pelo menos, uma despensa cheia de latas de comida gourmet e mobiliário de design.
A dimensão da minha fé no homem era tal que, antes de lhe enviar a carta, escondi os parcos tesouros que nos restam. Três quilos de algas; o Ulysses; a coleira da pequena Cutxi; dois iPads; três revistas Ler do final do verão passado;  quatro pares de Laboutim recolhidos entre as Bloggers; um cinzeiro de cristal murano; um globo terrestre comprado na Area com o eixo já partido e cinco facas de mato que, em tempos, confisquei aos ex-presidiários à chegada.
As cautelas revelaram-se despropositadas. Jack Sparrow, em tempos Pirata, agora não passa de um betinho de Hollywood, armado em coacher da pirataria, que acha que todos os nossos problemas se resolverão com intermináveis sessões de motivação piratística.
Depois da segunda sessão de terapia coletiva e sem uma única sugestão de assalto à vista, a minha tripulação trancou-o no porão e apresentou-me um plano genial.
Vamos manter Jack Sparrow sequestrado entre nós e pedir um chorudo resgate aos patrões de Hollywood.
O plano - que tem a indolente vantagem de já estar quase cumprido  - é tão perfeito que só tenho pena de não ter sido eu a lembrar-me dele.
Já seguiram as cartas a pedir o resgate, devidamente acompanhadas de pedaços do chapéu de Jack, para provar que o temos entre nós.
Entretanto, para nem sequer termos a chatice de ter de lidar com um prisioneiro, deixamos que Jack Sparrow deambule pelo navio, enchendo-nos a paciência com as suas sessões de coaching, convencido que é um convidado especial e que esta dieta de peixe e algas é uma coisa neo-zen muito fashion na nossa Europa.
Obliquamente, estava certa. Jack Sparrow tirar-nos-á da miséria.



2 comentários:

  1. Desde que depois não arranje maneira de tornar o resgate em fumo... eu não confio nele, e acho que os seminárioe de motivação pirata são, / mais uma vez) cortinas de fumo , que escondem as verdadeiras intenções de nos fazer andar na prancha e ficar com o navio para poder saldar as dívidas... os dealers de Hollywood são uns mafiosos da pior espécie. Quem sabe não teria sido preferível pedir-lhes ajuda ? bem vistas as coisas, ladrão que rouba a ladrão.... aye,

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