sábado, 22 de fevereiro de 2014

Amar o ladrão

O livreiro, habituado a vender-me livros técnicos, entrega-me o Estudos Sobre o Amor, de Ortega y Gasset, com um sorriso cúmplice. 
- Está a fazer uma formação sobre o amor?

Respondo-lhe que não, que procuro apenas evitar a deformação pelo amor.

"Um amor pleno, nascido de raíz, não pode verosimilmente morrer. Está para sempre inscrito na alma sensível. As circunstâncias - por exemplo, a distância - poderão impedir a sua necessária nutrição, e então esse amor perderá a sua força, converter-se-á num fiozinho sentimental, pequeno veio de emoção que continuará a pulsar no subsolo da consciência. Mas não morrerá: a sua qualidade sentimental permanecerá intacta. No seu íntimo, a pessoa que amou continua a sentir-se absolutamente ligada à pessoa amada. O acaso poderá levá-la de um lado para o outro no espaço físico e social. Pouco importa: continuará perto daquele que ama. É este o sintoma supremo do verdadeiro amor: estar ao lado da pessoa amada, num contacto e proximidade mais profundo que os espaciais. Estar vitalmente com o outro. A palavra mais exacta, mas demasiado técnica, seria: estar ontologicamente com o ser amado, fiel ao seu destino, seja ele qual for. A mulher que ama o ladrão, esteja ele onde estiver, tem o sentido na prisão."

Ortega Y Gasset, Estudos Sobre o Amor, Relógio D'agua.

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