domingo, 18 de novembro de 2012

escape




Ainda me esforcei por ouvi-lo mas só lhe via os lábios moverem-se ao som de Escape de Craig Armstrong. Para o tornar mais real tentei imaginar-lhe um diálogo de telenovela mexicana. Não me consegui lembrar de nenhum que combinasse com uma camisa tão bem engomada. Desisti dos meus intentos e segui com genuíno interesse o percurso que uma formiga foi fazendo pelo topo da mesa. Também a ouvia ao som de Escape e dei por mim a desejar que aquela formiga levasse a cabo a sua missão épica, fosse ela qual fosse.
Sabia que o homem da camisa a esmagaria quando se aproximasse da travessa. O destino estava estampado na eficiência suspeita com que me serviu o peixe. Não teria sido justo intervir na batalha e, além do mais, já só decido vidas a troco de dinheiro. No confronto final virei a cara para não assistir à inglória derrota dos que se esforçam.
Devolvi-lhe o som a tempo de o ouvir dizer qualquer coisa sobre barcos. Mas há palavras mágicas que me fazem desaparecer dos sítios e me transportam para fusos horários distintos. Juro que senti um abraço inconfundível acompanhado do meu nome respirado com sotaque. Se uma onda mais violenta não me tivesse molhado a cara, talvez nunca tivesse regressado ao restaurante.
Escape. Escape. Escape.  
No chão, a formiga endireitou as antenas e reiniciou o mesmo percurso.
A sangria de champanhe era bastante aceitável, o copo foi-se enchendo sozinho e demorei quatro horas para perceber que não me deixaram escolher nenhum prato.
Foi uma boa tarde.

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