domingo, 22 de maio de 2011

últimos dias

Caí de tédio entre as dezanove e as vinte, teletransportando-me para uma soneca deprimida e deprimente no sofá da sala. Não me lembro de ter sonhado – reaprendi a sonhar recentemente, depois da milagrosa e ainda inexplicada cura das insónias – mas aposto o meu polegar direito em como o meu sonho foi aborrecido e pessimista numa estranha mistura de criaturas que, de acordo com qualquer dicionário de sonhos, prenuncia milhões de tragédias.
Acordei com vozes, muitas vozes, demasiadas vozes, em frente à minha janela e devo admitir que pensei imediatamente que eles se tivessem todos revoltado contra mim e se tivessem reunido para me linchar. Ainda fiz um rápido rewind pelas últimas decisões que tomei esta semana, na ânsia de, antes de morrer às mãos do povo, perceber porque é que os irritei. Dizem, nos livros de auto-ajuda, que tudo o que compreendemos não nos faz sofrer. E eu tive uma esperança de última hora que a dor que presumo anteceder qualquer morte por apedrejamento também se pudesse incluir nesse adágio dos vigaristas da auto-ajuda.
Foram conjecturas inúteis. Três minutos depois havia música na Praça e, pela primeira vez desde a minha chegada, não era eu quem a controlava.
Quando saí à rua deparei-me com cinquenta pessoas – todos os homens e mulheres deste lugarejo, velhos e crianças incluídos – a dançar ao som de umas colunas emprestadas pelos Bombeiros.
Segundo me explicaram, e garanto-vos que a explicação era indispensável, aquilo que estavam a dançar eram marchas.
Não se deram ao trabalho de enfeitar com luzinhas as três árvores da praça, de prender fios com papelinhos coloridos, de instalar um holofote. Muito menos de organizar uma quermesse, construir uma barraquinha de farturas ou, ao menos, trazer cervejas de casa.
A festa era só aquilo. Umas colunas de som, uma voz de mulher recambiada dos anos quarenta a cantar músicas com letras que me pareceu me falavam de Alfama e cinquenta pessoas a dançar.
Acabou tudo às vinte e três em ponto. O meu povo insiste em cumprir escrupulosamente a lei, principalmente a do ruído, e sobretudo quando eu estou a ver.
Já em silêncio e com os foliões dispersos, fiquei sentada num dos bancos da praça, ao lado do meu senhorio israelita da Mossad, com a cabeça para trás e os olhos fixos nas estrelas.
- Disseram-me que um dos privilégios de viver no campo é poder olhar o céu e ver estrelas. Mas acho isto muito decepcionante. Estava à espera de melhor…
- Estava à espera de quê? Você pensava que a tinham mandado para o planetário de Lisboa?
Aproveitei logo aquele pequeno momento de hostilidade para tentar resolver o mistério das coisas que neste lugar não são o que parecem.
- agora que me vou embora, podia dizer-me, finalmente, porque é que a sua organização me vigia?
- o quê??
- sim, sim. Qual é o vosso interesse em mim?
- bem… organização não sei… só posso falar por mim.
- deixe-se de coisas. Sei bem para quem trabalha…
Ele pareceu-me genuinamente confuso.
- asseguro-lhe que a câmara municipal não tem nada a ver com a minha vida.
- Ora… Estou a falar da SUA organização. Não do seu emprego de fachada.
- não sou assim tão organizado. E quanto a isso do interesse… eu sou um simples homem, né?
- ah, confessa que há segundas intenções quanto a mim?…
- claro. Se você fosse coxa, marreca e feiosa não lhe trazia peixe fresco.
- explique-me, então, o que é que a sua organização quer de mim!
- organização? Chamam assim, lá em Lisboa?
- não se finja inocente…acabou de dizer que é um mero operacional de uma coisa maior...
- ouça cá…você não namora muito, pois não?

3 comentários:

  1. Esse senhorio parece ter a sua piada. Se não quiseres...

    ResponderEliminar
  2. sou só eu que não consigo fazer comentários no blogue?

    Cuca

    ResponderEliminar
  3. Hum...pelos vistos é do perfil.
    Maria, vou tirar-lhe uma foto à socapa e enviar-te para o mail para..."apreciação preliminar"...

    Cuca

    ResponderEliminar