sábado, 2 de abril de 2022

A Lua de Ariosto

Ariosto já resolvera, afinal, um dos  mistérios da existência que mais me intrigaram. Onde fica o cemitério dos amores perdidos? Na lua, claro. Nas montanhas da lua encontram-se todas as coisas que na terra nos escorreram pelos dedos das mãos e se perderam para sempre nas faldas do tempo. 
Posso até imaginar, enterrado nas areias de um deserto lunar, um contentor com tampa de jade e a inscrição do meu nome. 
E lá dentro: 
A breve memória de um olhar que perdi na alba; centenas de brincos sem par; dois anéis importantes; muitas horas de paciência; uma larga porção de tempo; duas ou três amizades que estavam destinadas a ser para a vida; vinte e cinco contos originais; a boneca Carole, há tantas luas ida que já nem sei se é perda própria; um lenço caído no chão da Bretanha; o conteúdo integral de tantos livros que esqueci; uma Ilha inteira, com as suas pessoas e casas e cheiros e luz. O juízo de alguns dias. 
Dois amores, de grande calibre.
E tu? O que tem a lua de teu? 

6 comentários:

  1. dois ou três contentores daqueles da evergreen com todo o tino com que fui abençoado, resmas de esperança embrulhadas em bonitos papeis de natal, milhares de meias desirmanadas, ainda molhadas, uma máquina fotográfica e todas as fotografias que lá ficaram por entre os fetos daquela floresta assombrada, duas centenas de guarda-chuvas, alguns nem eram meus, diversos livros ainda com os marcadores, paletes de paciência em pó e quatro mil e novecentas oportunidades ainda por estrear.

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  2. Lamento a resposta ser tão básica, mas, é mesmo verdade... E também é difícil ficar indiferente a uma pergunta desta envergadura.
    Então, ultrapassada a vergonha, cá vai...
    Tem a minha cabeça, mesmo, uma data de vezes. E nunca lhe agradeci ser assim uma fiel depositária tão cuidadosa. Nunca a perdeu, nem enterrou nas areias de um deserto (não é, pois, de todo, responsável por nenhum dos meus desertos de ideias), e, até hoje, nunca falhou uma devolução ao pragmatismo. Pronto, às vezes, demora um pouco, mas nada de demasiado grave.
    Quanto aos amores de grande calibre, mesmo num outro patamar, acho que nunca deixarão de habitar-me, transformados em seiva (pelo menos, é assim que gosto de pensar).

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    1. Querida Cláudia, cabeças bonitas dão sempre lindas perdas.

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  3. Dezenas de chapéus de chuva de de brincos, muitos cadernos de poesia do tempo do papel, meia dúzia de óculos de sol, amores perdidos e nunca concretizados e muitos, muitos sonhos...
    ~CC~

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    1. CCF, é preciso ir à lua recuperar os sonhos.
      O resto é dispensável.

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