domingo, 8 de junho de 2014

por mais distância que corras, por mais dias que passem, de teu coração não conseguirás escapar


“Mas se as pernas avançam por vontades superiores, soberanas ou divinas, já o coração, o mais insolente músculo de toda a anatomia, dita, em paralelo, outras razões para amar. Pobre homem, o infeliz. Pois o caprichoso órgão manda mais que rei e interno e aqui revelamos a verdadeira lei da expedição: percorrer os confins do mundo, afastar-se das terras onde viu morrer, sem que à morte pudesse obstar, a sua querida e doce esposa.
Intrépido é o explorador. Mas por desespero, taciturno e melancólico, a triste figura agarra-se em consolo pelo planalto inóspito e, por mistérios que o homem não explica, recebe em visita, de lugares ainda mais longínquos, aquela por quem o coração lhe suplica. Vestindo – oh pormenor de acentuada morbidez – o rico vestido que a amortalhou quando à terra desceu.
- Por mais distância que corras, por mais dias que passem, de teu coração não conseguirás escapar.
- Então morrerei.
- Triste e pobre infeliz.
Submerso em turvas águas, um crocodilo aguarda o seu momento. 
O intrépido explorador bem sabe que neste rio encontrará o seu destino. 
Os seus homens testemunham o horror. O explorador despede-se da vida.
A noite cai sobre a savana e mil e uma noites cairão após essa primeira.

Nesse tempo, depois dele, por mais absurdo que pareça a todos os homens de razão, há quem jure a bom jurar ter avistado demoníaca visão: um crocodilo triste, melancólico, acompanhado por uma dama de outros tempos. Inseparável par que um misterioso pacto uniu e que a morte não pode quebrar."

do Prólogo de Tabu (Miguel Gomes, 2012)

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