sábado, 6 de julho de 2013

Pai afasta de mim esse cálice... de vinho tinto de sangue




(...)

"Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado.
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado permaneço atento
Na arquibancada, para a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa 

(...)
Talvez o mundo não seja pequeno
(cale-se)
Nem a vida um facto consumado
(cale-se)
Quero inventar o meu próprio pecado
(cale-se)
Quero morrer do meu próprio veneno
(cale-se)
Quero perder de vez a cabeça
(cale-se)
Minha cabeça perder teu juízo
(cale-se)
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
(cale-se)
Me embriagar até que alguém me esqueça
(cale-se)"

A culpa, claro, é do vento Sudoeste. 
De que adianta trancar portas e janelas e aprisionar-nos em casa, para nos protegermos a nós e aos outros de nós, quando se mantém o telefone e a internet? A sociedade conspira contra os loucos, especialmente os temporariamente loucos, dando-lhes meios de comunicação para que, em tempo real e à distância, espalhem a sua loucura. Mas não costuma ser cruel ao ponto de lhes dar também os meios para que, em tempo real e à distância, recebam o reflexo destrutivo dos efeitos da sua loucura.
Uma coisa é querer lançar o grito desumano de que fala a música e outra é, atordoado, permanecer atento a ver emergir o monstro da lagoa. 
Mandam as regras da psicopatia moderada que quando se ateia um fogo não se lhe fique a assistir sentado no sofá da sala. 
Mas como é que se pode prever que, depois de a loucura nos fazer perder a guerra do silêncio, quando se levantam os olhos do telefone, a pessoa a quem se acabou de enviar a mensagem esteja em direto na televisão, a recebê-la? 
Como é que nos podemos proteger, a nós e aos outros, desta verdade, instantânea, indisfarçada, obscenamente intrusiva, irrevogável? 

Ainda falta um dia para o vento virar a Oeste.
(cale-se)






3 comentários:

  1. O bom de ter uma ventoinha à mão é que se pode forjar a direcção do vento, apontando-o para onde mais convier.

    Aqui não sopra uma aragem, quase tenho saudades da nortada.

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    1. Acho que o pior já passou. Espero que as consequências da loucura também só durem os três dias dos efeitos do vento...

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  2. Ai de nós... o vento mudou, e ela não passou... a loucura claro...o que me vale é este meu noviçado em pirataria para me ancorar.

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