quarta-feira, 28 de abril de 2010

Generation gap ou uma outra educação?


A emissão da televisão abria às sete da tarde. Até lá brincava-se na rua porque não havia nada para fazer dentro de casa. A alternativa era sentarmo-nos em frente a uma emissão encerrada à espera que começasse. E nós fazíamos mesmo isso. Este ritual fez parte da aprendizagem da espera.
Não havia telemóveis nem correio azul. Escreviam-se postais e cartas. A minha geração escreveu as últimas cartas de amor. Quatro dias para chegar às mãos do destinatário e, com sorte, outros quatro para receber uma resposta. Na falta de comunicações imediatas, as emoções eram vividas a prazo. Este ritual fez parte da aprendizagem da paciência.
Uma fotografia não ficava imediatamente disponível. Era preciso gastar o rolo porque os rolos ainda eram caros. Entregá-lo. Ficar à espera da revelação. Às vezes, o rosto daquela pessoa que conhecemos na praia e que nunca mais na vida voltaríamos ver, ficava para sempre conspurcado na nossa memória por um polegar escorregadio. Este ritual fez parte da aprendizagem da frustração.
O sexo não era imediato. Já não se esperava pelo casamento, mas ainda se esperava pelo amor. Vinha embrulhado na culpa. E tinha sempre que ser especial para afastar o pecado. Pelo menos em cada uma das primeiras vezes. Este ritual fez parte da aprendizagem do respeito próprio.
No tempo em que não havia bimbis, comiam-se guisados que demoravam uma tarde inteira a ser confeccionados e alimentos temperados de véspera. E comia-se sempre à mesa. Este ritual fez parte do apuramento dos sentidos.
A minha geração adaptou-se perfeitamente à instantaneidade dos novos dias. Como todos os outros, vê canais de televisão no computador do escritório às nove da manhã, sofre de taquicardia quando se esquece do telemóvel em casa, tira e apaga fotografias de forma compulsiva, aderiu ao sexo ocasional, é consumidora do pronto-a-comer.
Mas continua a desligar a televisão na hora das conversas importantes, recusa-se a discutir assuntos sérios por telemóvel, tem a nostalgia das cartas que já não recebe, percebe que há rostos que se perdem no caminho das memórias, exige que o sexo ocasional seja especial, sabe que os bons vinhos tintos têm que repousar no copo.
Desenvolveu a paciência da espera, tem tolerância à frustração, cultiva um estranho sentido de auto-respeito, tem as papilas gustativas apuradas.
A minha geração tem uma relação diferente com o tempo.

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