Rogaram-me que subisse para um simples mas musculado pedestal. E apresentaram-me o meu povo. Apeteceu-me deitar-lhes fogo, mas faltava-me a lira.
Começa o recital. A russa e os seus dez dedos. Na plateia, palhaços tristes, cyborgs, bombistas e gente que nunca tinha visto um piano de perto. E personagens que habitam os anéis de Saturno.
De um dos buracos da cantaria, espreita uma barata que me diz, baixinho, que nem tudo de Rachmaninov lhe bate bem. Encolhe os ombros e some para dentro de uma mala de marca. O chão começa a escorrer de geleia, daquela que se faz em casa. Pouco espessa e vermelha-transparente. Mais uma cor composta. Impossível. A gosma vai acumulando junto à parede das janelas gradeadas. No lugar da russa, eles os dois: ela muito pequenina deliciada com as teclas todas de uma vez, ele a pedir desculpas porque prefere um improviso.
Volta a russa. E o pirata que se espera na praia. Rasgado por todo, sorridente e com trovoada no peito. Não larga o cigarro. E um calendário que desfolha para frente e para trás, fazendo o ano acabar e estagnar de novo e acabar e estagnar de novo, no hoje.
A russa já quase não tem piano. A mim, continuam a lamber os olhos. Muitos deles. O meu corpo a perder gramas, num ritmo certo. Encosto-me cada vez mais aos ossos. E cada adorno que me penduram pesa-me como Júpiter e Urano. Gargantilhas das clavículas até à mandíbula. Anéis. Alianças. Escravas. Alfinetes. Colares de muitas voltas. Negando a gravidade, cada nova jóia aumenta a altura do pedestal.
Pedem-me para experimentar, com a língua, o sabor das nuvens.
Começa o recital. A russa e os seus dez dedos. Na plateia, palhaços tristes, cyborgs, bombistas e gente que nunca tinha visto um piano de perto. E personagens que habitam os anéis de Saturno.
De um dos buracos da cantaria, espreita uma barata que me diz, baixinho, que nem tudo de Rachmaninov lhe bate bem. Encolhe os ombros e some para dentro de uma mala de marca. O chão começa a escorrer de geleia, daquela que se faz em casa. Pouco espessa e vermelha-transparente. Mais uma cor composta. Impossível. A gosma vai acumulando junto à parede das janelas gradeadas. No lugar da russa, eles os dois: ela muito pequenina deliciada com as teclas todas de uma vez, ele a pedir desculpas porque prefere um improviso.
Volta a russa. E o pirata que se espera na praia. Rasgado por todo, sorridente e com trovoada no peito. Não larga o cigarro. E um calendário que desfolha para frente e para trás, fazendo o ano acabar e estagnar de novo e acabar e estagnar de novo, no hoje.
A russa já quase não tem piano. A mim, continuam a lamber os olhos. Muitos deles. O meu corpo a perder gramas, num ritmo certo. Encosto-me cada vez mais aos ossos. E cada adorno que me penduram pesa-me como Júpiter e Urano. Gargantilhas das clavículas até à mandíbula. Anéis. Alianças. Escravas. Alfinetes. Colares de muitas voltas. Negando a gravidade, cada nova jóia aumenta a altura do pedestal.
Pedem-me para experimentar, com a língua, o sabor das nuvens.
A russa acaba. Uma vénia marcada, ridícula, à frente de um banco preto.
Delicioso. Habitua-te aos que nunca antes viram um piano. São a massa de que é feita essa gente. No fim, acabamos sempre por lhes resistir com a mente incólume. Enganando-os.
ResponderEliminarsim! muito querida Cuca. O plano mantém-se.
ResponderEliminarTambém a vi a russa. Confundo-a sempre com a empregada doméstica.
ResponderEliminare a labrega!? nem te vou descrever a labrega...
ResponderEliminarDe todos, parece-me que a mais confiável é a barata.
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