sábado, 26 de outubro de 2013

Não sei nem quero saber

Apenas não tenho raiva a quem sabe.
Dominei os dois estádios mais úteis desse adágio infantil da inocência arrogante.
Vivo no alheamento das coisas, de todas as coisas e não me sinto culpada por isso.
A arte da eremitagem aprende-se em módulos, como os cursos de fotografia.
No fim, ganha-se a habilidade de suspender a indignação. Não é nada comigo, porque só é comigo aquilo que ocorre a menos de cinco centímetros do meu umbigo. 
O que me interessa são as metáforas de um texto, as curvas de uma frase, a melodia de uma música, o movimento de uma fotografia, a luz de uma pintura e, ocasionalmente, a sombra de uma ponte. Tudo o resto só existe como suporte das coisas que me interessam.
Os homens inventaram a arte por pressentirem que o mundo era um sítio demasiado inóspito para se viver. E a arte é um jardim de entrada livre onde podemos permanecer durante todo o tempo que quisermos.
Para lá destes muros de ferro forjado, o mundo continuou igual a si próprio. Não houve mais guerras, mais mortos, mais pobres, mais dor, maldade ou solidão pelo facto de eu ter deixado de querer saber das coisas. 
Começo a acreditar que é possível uma existência assim. 
E como é doce, esse estágio humano em que apenas um verso mal construído tem a capacidade de me estragar a manhã. 




6 comentários:

  1. Algures aqui, recordei Krishnamurti.

    "To find out actually what takes place when you die you must die. This isn't a joke. You must die - not physically but psychologically, inwardly, die to the things you have cherished and to the things you are bitter about. If you have died to one of your pleasures, the smallest or the greatest, naturally, without any enforcement or argument, then you will know what it means to die. To die is to have a mind that is completely empty of itself, empty of its daily longing, pleasure; and agonies. Death is a renewal, a mutation, in which thought does not function at all because thought is old. When there is death there is something totally new. Freedom from the known is death, and then you are living."

    Boa tarde, Cuca.

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    1. Também há o perigo de Krishnamurti estar errado e de aquilo que se segue à morte psicológica ser a loucura.

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    2. A arte da eremitagam, que se aprende em módulos, como a fotografia é uma sucessão de pequenas mortes, não é? Por isso a ênfase litúrgica colocada na morte para o mundo. Será a loucura um possível sequitur? Sem dúvida. Será o único? -- uma questão interessante...

      Boa noite, Cuca!

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    3. é, sem dúvida. Alguma morte para algum mundo em algumas etapas.

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  2. E o que é uma fotografia senão a alma capturada numa prisão silenciosa de papel e luz ?

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