Foi uma das personagens mais Almodoverianas que conheci na vida.
No passado foi de tudo, desde filha de uma peixeira suicida a prostituta numa famosa casa da especialidade. Embora alardeasse a primeira com uma frequência perturbadora, nunca me contou a segunda, que foi confirmada por um amigo com mau gosto, boa memória e incapacidade de se deixar iludir por nomes artísticos.
Fez-se amante de um homem importante que se entreve a mascará-la de senhora. Durante uns anos. Apenas.
Comprou-lhe os trastes etiquetados que lhe vi no armário. As jóias que ela acabou por enterrar no prego. O BMW que ficou esquecido na oficina por falta de dinheiro para pagar os arranjos. As lojas que foram vendidas em hasta pública. O apartamento no centro de Lisboa que estava penhorado.
O declínio começou quando a família importante do homem importante tomou consciência dos custos de manutenção daquela amante. As famílias importantes são eficazes. Obedientemente, ele fechou-se na quinta de Sintra mas, desta vez, com a amante do lado natural dos portões. De fora. Aos gritos e pontapés.
Claro que os portões da quinta de Sintra eram demasiado sólidos para se deixarem abalar pelos murros de uma amante, ex-prostituta, com apetência para o escândalo, para a chantagem e para a extorsão. Mais uma vez, as famílias importantes são eficazes. Rapidamente, arranjaram maneira de a tornar invisível e muda.
O medo enfiou-a sozinha no apartamento de duzentos metros quadrados. A engordar.
Foi nessa altura que a conheci.
Empenhava-se a tempo inteiro na função de ser uma caricatura de si própria. Uma imitação sarcástica dos dias em que foi uma senhora.
Ainda mantinha o guarda-roupa que era, também ele, uma caricatura kitsch do pior que a alta costura criou. Os quarenta quilos de ódio que engordou impediam-na de usar as suas roupas. Era como se ela já não se servisse a si própria.
Tresandava a decadência. Chegava a ser opressora na tragédia que anunciava.
Acabei por me convencer que um dia seria encontrada morta naquele apartamento. Afundada em álcool e comprimidos.
Não fiquei à espera para confirmar a minha intuição.
Reencontrei-a, casualmente, há uns tempos atrás.
Perdeu os quarenta quilos que o amante lhe ofereceu como presente de despedida. Arranjou um amante novo. E um guarda-roupa a condizer. Presumo que esteja a repor a sua situação imobiliária.
Despedi-me com um sorriso:
Subestimei-a.
Nos seus tempos de decadência, tinha uma frase maravilhosa com que resumia o seu estado de espírito:
“Tenho a alma partida”.
No passado foi de tudo, desde filha de uma peixeira suicida a prostituta numa famosa casa da especialidade. Embora alardeasse a primeira com uma frequência perturbadora, nunca me contou a segunda, que foi confirmada por um amigo com mau gosto, boa memória e incapacidade de se deixar iludir por nomes artísticos.
Fez-se amante de um homem importante que se entreve a mascará-la de senhora. Durante uns anos. Apenas.
Comprou-lhe os trastes etiquetados que lhe vi no armário. As jóias que ela acabou por enterrar no prego. O BMW que ficou esquecido na oficina por falta de dinheiro para pagar os arranjos. As lojas que foram vendidas em hasta pública. O apartamento no centro de Lisboa que estava penhorado.
O declínio começou quando a família importante do homem importante tomou consciência dos custos de manutenção daquela amante. As famílias importantes são eficazes. Obedientemente, ele fechou-se na quinta de Sintra mas, desta vez, com a amante do lado natural dos portões. De fora. Aos gritos e pontapés.
Claro que os portões da quinta de Sintra eram demasiado sólidos para se deixarem abalar pelos murros de uma amante, ex-prostituta, com apetência para o escândalo, para a chantagem e para a extorsão. Mais uma vez, as famílias importantes são eficazes. Rapidamente, arranjaram maneira de a tornar invisível e muda.
O medo enfiou-a sozinha no apartamento de duzentos metros quadrados. A engordar.
Foi nessa altura que a conheci.
Empenhava-se a tempo inteiro na função de ser uma caricatura de si própria. Uma imitação sarcástica dos dias em que foi uma senhora.
Ainda mantinha o guarda-roupa que era, também ele, uma caricatura kitsch do pior que a alta costura criou. Os quarenta quilos de ódio que engordou impediam-na de usar as suas roupas. Era como se ela já não se servisse a si própria.
Tresandava a decadência. Chegava a ser opressora na tragédia que anunciava.
Acabei por me convencer que um dia seria encontrada morta naquele apartamento. Afundada em álcool e comprimidos.
Não fiquei à espera para confirmar a minha intuição.
Reencontrei-a, casualmente, há uns tempos atrás.
Perdeu os quarenta quilos que o amante lhe ofereceu como presente de despedida. Arranjou um amante novo. E um guarda-roupa a condizer. Presumo que esteja a repor a sua situação imobiliária.
Despedi-me com um sorriso:
Subestimei-a.
Nos seus tempos de decadência, tinha uma frase maravilhosa com que resumia o seu estado de espírito:
“Tenho a alma partida”.
Clap, clap...lindo, lindo. Mas antes é que era: as amantes eram teúdas e manteúdas. Hoje são umas gajas a quem se dá umas quecas fora do casamento, mas sem apartamento, carro ou guarda-roupa. Eu... tenho a minha alma partida com tudo isto.
ResponderEliminarTens razão, Capitu! Também se me parte a alma de saber que os gajos agora já nem as amantes sabem tratar em condições.
ResponderEliminarÉ a fulana das unhas, certo?
ResponderEliminarMuito bonito, mesmo.
ResponderEliminarA verdade é que ela o dizia rindo sarcásticamente, entre um copo de vinho verde bem gelado e outro.
Âlmodovar é pouco para esta mulher!
Mas afinal... quem é que aqui é de Almodôvar? A amante, só?
ResponderEliminar:)
ResponderEliminar(ops... era para ser um sorriso com lágrimas, mas parece que ficou longe disso)
que coisa mais triste!
Rapaz da laranja@ Tens razão, é triste.
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