“Mas se as pernas avançam por
vontades superiores, soberanas ou divinas, já o coração, o mais insolente
músculo de toda a anatomia, dita, em paralelo, outras razões para amar. Pobre
homem, o infeliz. Pois o caprichoso órgão manda mais que rei e interno e aqui
revelamos a verdadeira lei da expedição: percorrer os confins do mundo,
afastar-se das terras onde viu morrer, sem que à morte pudesse obstar, a sua
querida e doce esposa.
Intrépido é o explorador. Mas por
desespero, taciturno e melancólico, a triste figura agarra-se em consolo pelo
planalto inóspito e, por mistérios que o homem não explica, recebe em visita, de
lugares ainda mais longínquos, aquela por quem o coração lhe suplica. Vestindo –
oh pormenor de acentuada morbidez – o rico vestido que a amortalhou quando à
terra desceu.
- Por mais distância que corras,
por mais dias que passem, de teu coração não conseguirás escapar.
- Então morrerei.
- Triste e pobre infeliz.
Submerso em turvas águas, um
crocodilo aguarda o seu momento.
O intrépido explorador bem sabe que neste rio
encontrará o seu destino.
Os seus homens testemunham o horror. O explorador
despede-se da vida.
A noite cai sobre a savana e mil
e uma noites cairão após essa primeira.
Nesse tempo, depois dele, por
mais absurdo que pareça a todos os homens de razão, há quem jure a bom jurar
ter avistado demoníaca visão: um crocodilo triste, melancólico, acompanhado por
uma dama de outros tempos. Inseparável par que um misterioso pacto uniu e que a
morte não pode quebrar."
do Prólogo de Tabu (Miguel Gomes, 2012)
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