Também nós encenámos a nossa própria peça para ser desempenhada por Mimos. Foi a forma que encontrámos de não trair a promessa do silêncio recíproco que fizemos a terceiros desprovidos de coração. Em quartos, no teu caso, em salas, no meu.
Colhi ilusoriamente todas as flores imaginárias que me estendeste e respondi-te na mudez da expressão sofrida de cada vénia dedicada.
Mãos tapadas por luvas brancas. Sentimentos escondidos em bocas trancadas por lápis de maquilhagem.
Durante incontáveis meses. Sexta-feira após sexta-feira.
Mas os Mimos continuam a ser apenas uma versão dos palhaços. Porventura mais grotescos, ainda, com aquela falsa lágrima, pintada de negro, a pender dos olhos. Sempre tristes.
E eu sofro de colourfobia.
Foi por isso que uma sexta-feira decidi abandonar o teatro, deixando-te sozinho no palco, de mão estendida, costas arqueadas, flor imaginária sem quem a colha e olhos verdadeiramente tristes por cima de falsa lágrima, pintada de negro.
À mudez imposta, juntei a surdez voluntária. À tua música. Que ainda toca todas as sextas-feiras, mas que já não toca para mim.
Essa flor a pender no vazio da plateia que abandonou o Mimo.
Hertz despedido da sua função de mensageiro.
Fios desligados.
Marionetas livres da tirania dos cordéis do som.
Promessas cumpridas.
O descoração.
O descoração faz o papel de anti-matéria do coração. Do encontro dos dois -- fortuito, ou provocado -- resulta a anulação mútua. O vazio, melhor, um instante de vácuo. E é o vácuo que é terrível, mesmo sendo sempre temporário (ou talvez por causa disso).
ResponderEliminarBoa tarde, Cuca.
A energia do vazio a absorver todo o resto.
EliminarO sentimento do cansaço ou o cansaço do sentimento, falso e borrado como um non-cuore pintado de negro que lacrimeja...
ResponderEliminar