domingo, 11 de agosto de 2013
Quarenta graus à sombra e uma pedra de gelo deslocada
Há momentos em que conseguimos esquecer-nos que um dos dois engoliu de um trago o destino que os deuses nos cozinharam. Por instantes, os últimos anos desmaiados na memória, como o pesadelo da madrugada que assoma, já leve e quase doce, no final da tarde seguinte.
Com lisboa ali em baixo, a rir-se, tu estendes-me a mão e eu entrego-te a minha. No reflexo do cão que dá a pata ao dono. Não chego a derrubar o gin. Fiz este gesto milhões de vezes. Sou uma profissional na arte de te devolver as mãos. Lisboa ri-se. E nós rimo-nos e toda a gente se ri. Como se o mundo inteiro pudesse encontrar alívio num entrelaçar de dedos. Aqueles de onde o sol de vários anos se entreteve a apagar marcas de aliança.
Ou talvez o alívio seja apenas meu. Enquanto mergulho na ilusão de que entre o antes e o agora nunca existiu nenhuma outra forma de vida humana, o meu coração bate ao ritmo do teu e o mundo volta a ser o lugar que nunca poderia deixar de ter sido.
Mas o instante é sempre demasiado breve. Antes que o gelo derreta no copo, mesmo antes que a minha mão se incendeie na tua, surge na linha do horizonte a nuvem de areia que denuncia a natureza das miragens.
Lá em baixo Lisboa mas na minha retina o deserto onde um nós abandonou o outro. O tempo, o calor e o cansaço apagaram do chão o rasto da culpa. Porém, mil anos não serão suficientes para dissolver da minha boca o gosto da areia.
Dizes-me que não teremos mil anos.
Somos os restos de um jardim roído pelas ervas daninhas de um ecossistema estrangeiro.
Digo-te que não deverias ter deixado o portão aberto.
Se o esquecimento perdurasse, se fosse possível recuperar a inocência, se houvesse lixívia que lavasse esta mancha...a vida seria infinitamente mais bela.
O sabor a Lisboa e o seu perfume a Mar e Almíscar entorpecem a ajudam. Total oblívion...
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