Quando os nosso olhos se cruzam e exibes o teu ódio catapultado para expoentes de contenção física impossível, encontras os meus esvaziados de expressão.
Cerras com a boca a raiva que te corta até à carne e a minha abre-se para te oferecer meio sorriso.
Ambos já fizemos este jogo várias vezes. Tu com pessoas iguais a mim e eu com pessoas iguais a ti. Conhecemos de cor as regras e ajeitamos o corpo ao tabuleiro. Tu terás de perder. Só um dos dois pode dominar o espaço desta sala e é melhor para todos para seja eu.
Até tu precisas dessa certeza.
Levas a mão à cabeça e simulas discretamente o gesto de um tiro na tua, que é a minha, têmpora.
Encosto-me para trás na cadeira, aumento o sorriso sem nunca deixar de te olhar e não te digo uma palavra. Sacudo com a mão o sangue imaginário que me escorre pelos cabelos.
É nessa altura, quando te devolvo o medo intacto, que percebes que já perdeste.
Hás-de sair da minha sala vergado pelo peso do ódio que te sobra nos cofres.
Nas tuas costas, desfaço-me da minha inútil máscara de vazio.
No fim de tudo, fica o som das vozes das mulheres que gritam o seu amor de encontro à tua indiferença. E fico eu, a sofrer com elas o eco daquilo que se perdeu em ti.
E é nesses momentos, e apenas nesses momentos, que tenho a certeza que cada um de nós ocupa o lugar certo no tabuleiro.
Levo a mão à têmpora para fechar o buraco do tiro.
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