domingo, 28 de abril de 2013

neo-doenças


A marca proeminente da sociedade contemporânea é a generalizada necessidade de atenção que na última década parece ter atacado todos os seres vivos. Não conheço explicação para a epidémica solidão que transborda por todo o lado mas parece-me que justifica um estudo urgente com retorno do investimento na diminuição das baixas psiquiátricas e comparticipações de anti-depressivos. Já para não falar nos fenómenos de psicopatia que volta e meia acabam com chacinas em infantários e escolas primárias. 
A coincidência no tempo faz-me pensar que existe uma perversa ligação entre a proliferação dos meios de comunicação e esta irritante necessidade de atenção. Pode parecer um paradoxo mas não é. Um telemóvel que não toca ou um post no facebook sem likes terá o efeito de fazer com que as pessoas percebam que ninguém quer saber delas para nada.
Para tornar tudo mais complexo, a doença parece ter evoluído para além dos limites do ser humano e propagou-se aos outros seres vivos.
Duvido que as plantas de antigamente definhassem se as pessoas as ignorassem e se limitassem a atirar-lhes água para cima uma vez por semana. Agora é preciso mantê-las a uma temperatura conveniente, adubá-las, falar-lhes e convencê-las a fazer a fotosíntese. E tenho a certeza que os animais de estimação não deprimiam por passarem oito horas por dia sozinhos, para mais deitados em camas luxuosamente confortáveis e rodeados de brinquedos desenhados para os entreterem.
No outro dia, a brasileira que eu contratei para me tomar conta do cão (antes que adira à moda de deprimir) com o ligeiramente menos burguês pretexto de me limpar a casa, disse-me furiosa que o cão sabia mais sobre a vida dela do que eu, acusando-me de, apesar de ela trabalhar para mim há meses, nunca lhe ter feito uma pergunta pessoal.
Fiquei em choque com a estranheza da fúria porque confesso que, tendo eu uma absoluta falta de curiosidade em relação à senhora, jamais me tinha passado pela cabeça que dar atenção à empregada doméstica fizesse parte das minhas inúmeras obrigações.
Ainda lhe respondi, dizendo-lhe que não se preocupasse, que o cão a seguir contar-me-ia tudo o que eu precisava de saber.
Desde que o mundo é mundo que há gente a envelhecer sentada na soleira de uma porta onde não passa ninguém. 
A solidão é endémica, como não podem deixar de saber aqueles que diariamente têm que tomar decisões difíceis. Estamos sós nesses momentos, estamos sós em todos os desgostos que sofremos, estaremos sós quando morrermos. 
O que não é endémico nem natural é a somatização da solidão. 
Essa irritante mania de querer dividir com os outros o tédio de si próprio.

2 comentários:

  1. Um alinhamento de ideias deste quilate não pode ficar com a caixa de comentários vazia, não vá a autora ficar incomodada e deprimir.
    (excelente post já agora...)

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    1. Muito obrigada, Tio Pipoco.
      (agora vou ali limpar a baba com um bonito guardanapo de linho egípcio)

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