sábado, 30 de junho de 2012

Manual para viver o amor



Expurgarás todos os resquícios da Nitzshiana que há em ti. Deitarás ao lixo o teu lastro existencialista. Não procurarás sinais de agouro nas asas dos corvos. Como Blimunda, nunca olharás para ele em jejum. Aligeirarás o pragmatismo. Construirás uma casa e não um muro. Terás um pouco de fé na humanidade. Não colecionarás reservas mentais. Não traçarás a vermelho o gráfico das tuas fragilidades. Aprenderás a fazer bolos. Deixá-lo-ás conduzir-te na dança. Tornar-te-ás uma pessoa melhor. Viverás um minuto de cada vez.
Saberás que pode ser o último.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Foi assim, não foi assim...



Comunicado:

Afinal existem na terra criaturas mitológicas. Escondem-se nos confins. O mundo é um sítio perfeito para se morar. A felicidade não foi inventada pelos escritores.
Este ano o amor e o verão chegaram ao mesmo tempo.

A maturidade é uma seca


Nós vamos ao safari e gostamos do leãozinho e tiramos-lhe fotografias e comovemo-nos com ele e, de certa forma, ficamos encantados e felizes por o ver mover-se. Ao longe.
Mas não ocorre a ninguém trazer o leão para casa dentro de uma jaula e despejá-lo numa varanda de Lisboa.
E há homens que são como o leãozinho do safari. Só fazem sentido em meio natural e só combinam com aqueles chapéus que sabemos que jamais teremos oportunidade de voltar a usar.

sábado, 9 de junho de 2012

pelo direito à mentira


Observe, I do not mean to suggest that the custom of lying has suffered any decay or interruption,--no, for the Lie, as a Virtue, a Principle, is eternal; the Lie, as a recreation, a solace, a refuge in time of need, the fourth Grace, the tenth Muse, man's best and surest friend, is immortal, and cannot perish from the earth while this Club remains. My complaint simply concerns the decay of the art of lying.(...)

On the Decay of the Art of Lying, Mark Twain

http://grammar.about.com/od/60essays/a/lyingessay.htm

Nunca tive dúvidas sobre a defesa incondicional das vantagens da mentira bem elaborada. Mas lavrei no equívoco de acreditar que, entre o pior de dois males, sendo um deles a má mentira e o outro a verdade maníaca, seria preferível a última.
A minha experiência recente fez-me resolver o dilema a favor do mau mentiroso. No espaço que fica entre uma mentira inepta e a sua contraposta verdade ainda se consegue arrumar uma dignidade silenciosa. A verdade maníaca desrespeita o direito do enganado a enfiar a cabeça na areia.

No meio da bruma


Ontem à noite voltei a seguir a vaca, deixei-me escorregar pela toca do coelho e sacando da poção mágica feita de óleo de baleia, azul, caí no wonderland a tempo da reunião das forças subversivas do reino. O chapeleiro louco bateu com o martelo de encontro a uma mesa de casca de tartaruga, viva, e mandou-nos calar a todos para dar início aos trabalhos.
Arranjei um bom lugar no chão ao lado do fotógrafo rastafári que imediatamente me ameaçou com a sua máquina fotográfica. Disse-me que tinha o poder de roubar as almas aos fotografados. Perguntei-lhe se isso não fazia antes parte da mitologia indígena mas ele limitou-se a explicar-me que tinha acabado de chegar da amazónia. Desafiei-o para que me desse o seu best shot e quando me elogiou a temeridade agradeci com uma vénia omitindo a circunstância de já não ter alma apropriável.
É claro que a valentia é a pele de quem já não tem corpo. Mas esta gente não sabe isso. E também desconhece os meus antigos hábitos de funambulista. Perde-se em carácter o que se ganha em equilíbrio.
O chapeleiro louco distribuiu-nos sortes chinesas feitas de tarefas subversivas. Calhou-me a ingrata e impossível  missão de distrair a rainha de copas enquanto esta corajosa gente leva a cabo um golpe de estado. O gato que ri materializou-se a tempo de espreitar o meu papelinho e lançou no ar uma gargalhada maligna.
A sigilosa reunião terminou com um hino sobre brumas e o içar de uma bandeira que exibia uma ave com as asas voltadas para baixo.
Fiquei tão satisfeita por ter sido convidada para alguma coisa que me esqueci de lhes explicar que a rainha de copas sou eu.