domingo, 26 de junho de 2011
Ensaio Sobre a Lucidez
“Quando nascemos, quando entramos neste mundo, é como se firmássemos um pacto para toda a vida, mas pode acontecer que um dia tenhamos que nos perguntar Quem assinou isto por mim (…)”
Graças ao Expresso, caiu-me no colo o Ensaio Sobre a Lucidez, de José Saramago, que, de outra forma, embora sem nenhuma razão especial, dificilmente me lembraria de comprar.
Sobre este livro, publicado em 2004, e a propósito da poderosa caricatura das instituições democráticas, Saramago terá dito que só não provocaria polémica se a sociedade estivesse adormecida. Já na altura, pior do que adormecida, estava embrenhada no actual transe hipnótico. O livro não provocou polémica. E foi pena.
disarm
chegou e ela já tinha a armadura completa. espada embainhada. e inteira reluzia, sentada ao espelho.
ele sorriu, franco. ela não disse nada. mas pediu com olhos que ele lhe escovasse o cabelo. tirou o elmo. devagar. e deixou que ele o fizesse como quis. porque ela só queria fechar os olhos e esquecer por um pouco as tantas feridas que em cicatrizes não se transformavam, sempre em chagas permanentes, que nunca saravam e voltavam a sangrar vezes demais. estava exausta de as lavar em alfazema. de as untar com mel. de as esconder nas tiras de linho. exausta de lhe doerem constantemente debaixo das placas de ferro. e estas: cada vez mais pesadas.
com o deslizar da escova, entre dois arrepios de gozo, pensou se valeria assim tanto a pena viver couraçada para proteger um coração tão rasgado. se o exibisse entre os trapos de uma mortalha de mendigo nem iam dar por ele, tal o seu estado. pelo que entre o andrajo e o peso do ferro, imaginou a sua vida dentro do primeiro. e teve uns segundos de pura alegria.
sábado, 25 de junho de 2011
lisa ekdahl - l'aurore
À l'aurore, quand le ciel est cousu d'or
Doucement, je me rendors, je veux encore rêver de toi
Rêver que c'est l'aurore, d'un amour qui vient d'éclore.
Les feux multicolores de l'aurore me font rêver de toi.
Le ciel flamboie et c'est le ciel qui t'envoie jusqu'à moi
Car l'aurore, chaque jour, m'apporte un trésor.
Les feux multicolores de l'aurore me font rêver de toi.
Car l'aurore, chaque jour, m'apporte un trésor.
Les feux multicolores de l'aurore me font rêver de toi.
Et j'aime rêver de toi.
sexta-feira, 24 de junho de 2011
Eis que no destino de Cuca e Estrelita se desenha mais uma viagem
Raptaram os velhos da praça
Regressei ontem a esta terra após dez dias de angustiada ausência.
Privada da planície, sofri uma ressaca tão violenta como a da abstinência de cafeína. Na falta da linha do horizonte ao alcance de um piscar de olhos fui dominada pela estranha sensação de que o mundo inteiro encolheu. Não me sentia assim desde a última vez que fiz uma viagem de onze horas num daqueles aviões concebidos para passageiros sem pernas.
Pus-me ao caminho antes de anoitecer com o duplo objectivo de evitar o massacre de mais lebres na estrada e de ainda chegar a tempo de um jogo da poker com os velhos da praça. Os últimos dias na cidade abalaram o meu orçamento mensal e planeei constituir um fundo para ir aos saldos com dinheiro extorquido à reforma dos velhos. O pequeno pormenor de não ter jeito para o jogo resolver-se-ia com o facto de ser eu a ensinar-lhes as regras.
Mas, pela primeira vez, os velhos da praça não estavam no seu lugar.
Ainda pensei que se tivessem debandado para um qualquer bailarico clandestino na sede da “associação cultural”. Fui lá ver e nada. Esperei pelo final da hora do jantar. Nada na mesma. Tentei atraí-los com a invencível fórmula janelas abertas mais Puccini a tocar dentro de casa. Outra vez, nada de velhos.
Com o programa da noite arruinado por falta de comparência dos artistas principais, deu-me para ir vigiar as actividades do faroleiro. Voltei para casa frustrada depois de confirmar que a luz continua a demorar 63 segundos a dar uma volta completa e que o faroleiro continua a não se deixar ver. Entretanto, alguém me explicou que aquilo é tudo orientado por computador e que o Faroleiro, se calhar, com a crise, já nem sequer existe.
Achei que o desaparecimento dos velhos cabia no conceito de "problema com suficiente densidade para justificar um telefonema ao meu senhorio". Atendeu-me uma espanhola a dizer que o telefone estava desligado.
Adormeci amuada mas acordei reconciliada com a desfeita. Ensaiei o meu melhor sorriso para o oferecer aos olhares impávidos que fixam as minhas janelas quando, todas as manhãs, abro as portadas e os encontro nos seus postos a vigiar a minha vida.
Deparei-me com uma praça novamente vazia.
Fui pedir satisfações à falsa dona da papelaria de fachada que me informou que os velhos foram, ontem ao amanhecer, recolhidos por um daqueles autocarros de cinquenta lugares. Ela ainda tentou convencer-me que foram em excursão ao centro comercial Vasco da Gama. Mas isto é a terra em que nada é o que parece e eu sou aquela que não acredita em ninguém.
Desconfiada que o meu senhorio os levou para um campo de treino da Mossad, algures do outro lado da fronteira, telefonei para a GNR para reportar o desaparecimento de uma povoação inteira.
Infelizmente, os GNRs tinham ar de quem não se deixaria enganar no poker e, com isto tudo, amanhã não tenho dinheiro para ir gastar nos saldos.
Privada da planície, sofri uma ressaca tão violenta como a da abstinência de cafeína. Na falta da linha do horizonte ao alcance de um piscar de olhos fui dominada pela estranha sensação de que o mundo inteiro encolheu. Não me sentia assim desde a última vez que fiz uma viagem de onze horas num daqueles aviões concebidos para passageiros sem pernas.
Pus-me ao caminho antes de anoitecer com o duplo objectivo de evitar o massacre de mais lebres na estrada e de ainda chegar a tempo de um jogo da poker com os velhos da praça. Os últimos dias na cidade abalaram o meu orçamento mensal e planeei constituir um fundo para ir aos saldos com dinheiro extorquido à reforma dos velhos. O pequeno pormenor de não ter jeito para o jogo resolver-se-ia com o facto de ser eu a ensinar-lhes as regras.
Mas, pela primeira vez, os velhos da praça não estavam no seu lugar.
Ainda pensei que se tivessem debandado para um qualquer bailarico clandestino na sede da “associação cultural”. Fui lá ver e nada. Esperei pelo final da hora do jantar. Nada na mesma. Tentei atraí-los com a invencível fórmula janelas abertas mais Puccini a tocar dentro de casa. Outra vez, nada de velhos.
Com o programa da noite arruinado por falta de comparência dos artistas principais, deu-me para ir vigiar as actividades do faroleiro. Voltei para casa frustrada depois de confirmar que a luz continua a demorar 63 segundos a dar uma volta completa e que o faroleiro continua a não se deixar ver. Entretanto, alguém me explicou que aquilo é tudo orientado por computador e que o Faroleiro, se calhar, com a crise, já nem sequer existe.
Achei que o desaparecimento dos velhos cabia no conceito de "problema com suficiente densidade para justificar um telefonema ao meu senhorio". Atendeu-me uma espanhola a dizer que o telefone estava desligado.
Adormeci amuada mas acordei reconciliada com a desfeita. Ensaiei o meu melhor sorriso para o oferecer aos olhares impávidos que fixam as minhas janelas quando, todas as manhãs, abro as portadas e os encontro nos seus postos a vigiar a minha vida.
Deparei-me com uma praça novamente vazia.
Fui pedir satisfações à falsa dona da papelaria de fachada que me informou que os velhos foram, ontem ao amanhecer, recolhidos por um daqueles autocarros de cinquenta lugares. Ela ainda tentou convencer-me que foram em excursão ao centro comercial Vasco da Gama. Mas isto é a terra em que nada é o que parece e eu sou aquela que não acredita em ninguém.
Desconfiada que o meu senhorio os levou para um campo de treino da Mossad, algures do outro lado da fronteira, telefonei para a GNR para reportar o desaparecimento de uma povoação inteira.
Infelizmente, os GNRs tinham ar de quem não se deixaria enganar no poker e, com isto tudo, amanhã não tenho dinheiro para ir gastar nos saldos.
quinta-feira, 23 de junho de 2011
Lost in Translation
Vivi uma crise de jet lag num Japão incompreensível contigo a fazer de Bill Murray e eu a orientar-me por uma swotização escrita em Braille.
Ao fundo, alguém traduzia para linguagem gestual os balidos dos cordeiros. Os do sacrifício, claro.
Não foi uma experiência nada parecida com a confecção de bolos.
Ao fundo, alguém traduzia para linguagem gestual os balidos dos cordeiros. Os do sacrifício, claro.
Não foi uma experiência nada parecida com a confecção de bolos.
domingo, 19 de junho de 2011
don´t burn it
A vã esperança de uma criatura
Talvez exista mesmo um guião secreto onde alguém se deu ao trabalho de escrever tudo.
E nem todos os estranhos destinos serão fabulosos.
Talvez ao criar a minha personagem o escritor tenha decidido que farei, sozinha, todas as coisas importantes. Até aquelas, sobretudo aquelas, que em princípio seria impossível fazer sozinha.
Se assim for, só me resta esperar que, pelo menos, o estilo literário não seja o realismo mágico.
E nem todos os estranhos destinos serão fabulosos.
Talvez ao criar a minha personagem o escritor tenha decidido que farei, sozinha, todas as coisas importantes. Até aquelas, sobretudo aquelas, que em princípio seria impossível fazer sozinha.
Se assim for, só me resta esperar que, pelo menos, o estilo literário não seja o realismo mágico.
Quadro de Magritte
quarta-feira, 15 de junho de 2011
alquimia
qualquer antídoto compõe-se do veneno ele próprio.
fui buscar um frasco cheio. se não me curar é porque a Panacea me enganou.
fui buscar um frasco cheio. se não me curar é porque a Panacea me enganou.
terça-feira, 14 de junho de 2011
come back and haunt me
come up to meet ya, tell you I'm sorry
you don't know how lovely you are
i had to find you, tell you I need ya
and tell you I set you apart
tell me your secrets, and nurse me your questions
oh let's go back to the start
running in circles, coming in tails
heads on a science apart
nobody said it was easy
it's such a shame for us to part
nobody said it was easy
no one ever said it would be this hard
oh take me back to the start
i was just guessing at numbers and figures
pulling the puzzles apart.
questions of science, science and progress
don't speak as loud as my heart.
tell me you love me, and come back and haunt me,
oh, when I rush to the start
running in circles, chasing tails
coming back as we are.
nobody said it was easy
it's such a shame for us to part
nobody said it was easy.
no one ever said it would be so hard
i'm going back to the start.
you don't know how lovely you are
i had to find you, tell you I need ya
and tell you I set you apart
tell me your secrets, and nurse me your questions
oh let's go back to the start
running in circles, coming in tails
heads on a science apart
nobody said it was easy
it's such a shame for us to part
nobody said it was easy
no one ever said it would be this hard
oh take me back to the start
i was just guessing at numbers and figures
pulling the puzzles apart.
questions of science, science and progress
don't speak as loud as my heart.
tell me you love me, and come back and haunt me,
oh, when I rush to the start
running in circles, chasing tails
coming back as we are.
nobody said it was easy
it's such a shame for us to part
nobody said it was easy.
no one ever said it would be so hard
i'm going back to the start.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
para a K.
quisera eu proteger-te de todas as fúrias, dos desgostos. arredondar-te as dificuldades.
ensolarar-te os dias mais negros de chuva no teu coração.
afastar os demónios. travar as tuas batalhas. levar em cheio no peito as balas a ti destinadas.
mas espero, antes, saber ensinar-te a amar a tua vida como eu amo a minha. e ensinar-te a olhar para trás e ver as pedras onde tropeçaste, as que te atiraram, as que engoliste e deitaste fora e as que carregas, todas sem excepção, a brilhar com a força de um luar no campo.
ensolarar-te os dias mais negros de chuva no teu coração.
afastar os demónios. travar as tuas batalhas. levar em cheio no peito as balas a ti destinadas.
mas espero, antes, saber ensinar-te a amar a tua vida como eu amo a minha. e ensinar-te a olhar para trás e ver as pedras onde tropeçaste, as que te atiraram, as que engoliste e deitaste fora e as que carregas, todas sem excepção, a brilhar com a força de um luar no campo.
quadras de santo antónio
senhores equilibristas
Nas grandes horas em que a insónia avulta
Como um novo universo doloroso,
E a mente é clara com um ser que insulta
O uso confuso com que o dia é ocioso,
Cismo, embebido em sombras de repouso
Onde habitam fantasmas e a alma é oculta,
Em quanto errei e quanto ou dor ou gozo
Me farão nada, como frase estulta.
Cismo, cheio de nada, e a noite é tudo.
Meu coração, que fala estando mudo,
Repete seu monótono torpor
Na sombra, no delírio da clareza,
E não há Deus, nem ser, nem Natureza
E a própria mágoa melhor fora dor.
Fernando Pessoa
Como um novo universo doloroso,
E a mente é clara com um ser que insulta
O uso confuso com que o dia é ocioso,
Cismo, embebido em sombras de repouso
Onde habitam fantasmas e a alma é oculta,
Em quanto errei e quanto ou dor ou gozo
Me farão nada, como frase estulta.
Cismo, cheio de nada, e a noite é tudo.
Meu coração, que fala estando mudo,
Repete seu monótono torpor
Na sombra, no delírio da clareza,
E não há Deus, nem ser, nem Natureza
E a própria mágoa melhor fora dor.
Fernando Pessoa
Anorexia sentimental
sem emenda. nem remendo.
o sonho é a pior das cocaínas, porque é a mais natural de todas. assim se insinua nos hábitos com a facilidade que uma das outras não tem, se prova sem se querer, como um veneno dado. não dói, não descora, não abate – mas a alma que dele usa fica incurável, porque não há maneira de se separar do seu veneno, que é ela mesma.
sexta-feira, 10 de junho de 2011
la nuit
na rua, começam a deixar de passar as pessoas com os cães.
de regresso a casa. pelos caminhos ondulantes de uma bebida fresca.
sem sapatos. no sofá.
janela aberta.
na cabeça, tanta coisa floreada. riem juntos.
num discurso de gargalhadas tentou explicar que estudou a sequência dos semáforos do Largo durante três quartos de hora. no fim da tarde de ontem. enquanto lanchou na pastelaria de esquina. determinou o momento de funcionamento das luzes em que há mais trânsito a entrecruzar-se sob as sombras dos jacarandás.
silêncio. e de novo riso, tanto riso que ele quase não conseguiu dar um nó nas meias de ligas. fez delas uma venda sobre os olhos dela. "para que é que queres isto, querida?"
é daquelas noites em que nem tentou pentear o cabelo. e vestiu um vestido verde.
vai, descalça, brincar à roleta russa para o meio do cruzamento.
de regresso a casa. pelos caminhos ondulantes de uma bebida fresca.
sem sapatos. no sofá.
janela aberta.
na cabeça, tanta coisa floreada. riem juntos.
num discurso de gargalhadas tentou explicar que estudou a sequência dos semáforos do Largo durante três quartos de hora. no fim da tarde de ontem. enquanto lanchou na pastelaria de esquina. determinou o momento de funcionamento das luzes em que há mais trânsito a entrecruzar-se sob as sombras dos jacarandás.
silêncio. e de novo riso, tanto riso que ele quase não conseguiu dar um nó nas meias de ligas. fez delas uma venda sobre os olhos dela. "para que é que queres isto, querida?"
é daquelas noites em que nem tentou pentear o cabelo. e vestiu um vestido verde.
vai, descalça, brincar à roleta russa para o meio do cruzamento.
quinta-feira, 9 de junho de 2011
terça-feira, 7 de junho de 2011
Disney Channel
Nesta terra, desenvolvi um reflexo condicionado. Sempre que tenho um problema, pego no telemóvel e marco o número do meu senhorio. Por problema entenda-se tanto o quadro da luz desligado, como não conseguir abrir a tampa de um frasco, afastar a osga da entrada da sala ou, mais raro mas já ocorrido, ficar trancada dentro de casa.
Ele também desenvolveu um reflexo condicionado. Sempre que recebe um telefonema meu aparece-me à porta ainda antes de eu ter desligado o telefone. Em tronco nu. Já era assim em Março e a tendência não melhorou com a chegada da primavera. Atribuo a prontidão à convicção crescente de que ele habita o buraco da salamandra que não existe. Para o facto de estar sempre semi nu ainda não desenvolvi nenhuma explicação esotérica.
Pouco confiante da minha capacidade de associação mental, hoje cometeu a falta de subtileza de me aparecer a cavalo.
Encarei a ousadia como uma ofensa pessoal à minha inteligência e fiquei amuada.
Os velhos da praça fingiram não reagir à aparição do cavaleiro mas bem os vi trocar risinhos trocistas enquanto dobravam as apostas na mesa de madeira.
- diga lá, o que foi desta vez?
- er… tenho o fecho do vestido encravado.
- você andou outra vez a ver telenovelas mexicanas?
- sempre é melhor que tentar imitar heróis da Disney…
- acho que isto representa uma revolta do seu inconsciente contra a racionalidade compulsiva na gestão dos afectos.
- oh, também andou a ler Freud?
- não. Dormi com algumas gajas snobs de Lisboa.
Ele também desenvolveu um reflexo condicionado. Sempre que recebe um telefonema meu aparece-me à porta ainda antes de eu ter desligado o telefone. Em tronco nu. Já era assim em Março e a tendência não melhorou com a chegada da primavera. Atribuo a prontidão à convicção crescente de que ele habita o buraco da salamandra que não existe. Para o facto de estar sempre semi nu ainda não desenvolvi nenhuma explicação esotérica.
Pouco confiante da minha capacidade de associação mental, hoje cometeu a falta de subtileza de me aparecer a cavalo.
Encarei a ousadia como uma ofensa pessoal à minha inteligência e fiquei amuada.
Os velhos da praça fingiram não reagir à aparição do cavaleiro mas bem os vi trocar risinhos trocistas enquanto dobravam as apostas na mesa de madeira.
- diga lá, o que foi desta vez?
- er… tenho o fecho do vestido encravado.
- você andou outra vez a ver telenovelas mexicanas?
- sempre é melhor que tentar imitar heróis da Disney…
- acho que isto representa uma revolta do seu inconsciente contra a racionalidade compulsiva na gestão dos afectos.
- oh, também andou a ler Freud?
- não. Dormi com algumas gajas snobs de Lisboa.
drive all night. in a 4 door maverick.
the rain disregards any agenda under the stars.
the stars are still too far to get you out or by and far.
the rain and the cracklin' light throwing thick thunder and showing off the night.
get it going.
get it gone.
when the lightning can't touch you and you can't go wrong...
in a 4 door maverick.
the roads out here are twice as wide.
when it rains it pours then we slide...
in a 4 door maverick.
segunda-feira, 6 de junho de 2011
na bagunça, meu sangue errou de veia. e se perdeu.
ah, se já perdemos a noção da hora
se juntos já jogamos tudo fora
me conta agora como hei de partir
se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
rompi com o mundo, queimei meus navios
me diz pra onde é que inda posso ir
se nós, nas travessuras das noites eternas
já confundimos tanto as nossas pernas
diz com que pernas eu devo seguir
se entornaste a nossa sorte pelo chão
se na bagunça do teu coração
meu sangue errou de veia e se perdeu
como, se na desordem do armário embutido
meu paletó enlaça o teu vestido
e o meu sapato inda pisa no teu
como, se nos amamos feito dois pagãos
teus seios inda estão nas minhas mãos
me explica com que cara eu vou sair
não, acho que estás te fazendo de tonta
te dei meus olhos pra tomares conta
agora conta como hei de partir.
domingo, 5 de junho de 2011
a alegria da democracia
agora já voto na academia (mesa 6).
tarde de eleições em cidades pequenas. incomparável.
e se pudessem os votantes atirar tartes de chantilly à cara dos caciques...sábado, 4 de junho de 2011
o cliché da morte
Por um minuto o nosso passado caiu dentro do buraco que se abriu quando o alcatrão da estrada se desfez à minha volta.
Por um inteiro minuto consegui esquecer a imagem do holocausto e do teu olhar plácido pousado nela.
Calou-se o som terrível do bater da porta atrás das minhas costas. Esvaiu-se da boca o sabor a deserto. Dissolveu-se a areia da boca.
Durante sessenta segundos vivi a idílica experiência do perdão.
Tempo suficiente para sentir como é branco o espaço que ocupa o contínuo esforço da tua neutralização.
Mas depois disseram-me que, afinal, não estavas morto.
A estrada recompôs-se no meu campo de visão.
E no segundo seguinte voltei a ser a tua viúva.
Por um inteiro minuto consegui esquecer a imagem do holocausto e do teu olhar plácido pousado nela.
Calou-se o som terrível do bater da porta atrás das minhas costas. Esvaiu-se da boca o sabor a deserto. Dissolveu-se a areia da boca.
Durante sessenta segundos vivi a idílica experiência do perdão.
Tempo suficiente para sentir como é branco o espaço que ocupa o contínuo esforço da tua neutralização.
Mas depois disseram-me que, afinal, não estavas morto.
A estrada recompôs-se no meu campo de visão.
E no segundo seguinte voltei a ser a tua viúva.
para o M. que me fez estar em casa fora de casa. para a M. que não quer me ver partir.
- tens a certeza que queres ir jantar comigo? só comigo?
+ sim.
- hum… é que já não estamos juntas há algum tempo.
+ pois não. de ti não aceito cobranças nem ofereço nada em penhor, tem paciência. mas é hoje e vamos a pé. vens ajudar-me a despedir-me.
- ah, já percebeste… então.
+ já.
+ é cómico quererem colocar um prato à tua frente.
- pois é. deixa estar, não contraries. e então…?
+ tem sido difícil. muito. tu sabes.
- sei. tenho estado calada à espera que a moeda se gaste e o brinquedo pare de dar voltas. tu, que até enjoas.
+ e como!
- e como… não podes com nada que gire e eras a criança que nos passeios da escola tinha que ir nos bancos da frente do autocarro, ao pé dos professores... ai. não acredito que vais pedir gnocchi.
+ ela fazia-os tão bem.
- por isso mesmo!
+ estou com saudades…
- vai te calhar mal…
+ és uma desconfiada. preciso que me ajudes a superar os truques.
- que truques?
+ no passeio de volta vou tos apontar.
- ah já sei… os antiquários da D. Pedro V, aquela colina esparramada à frente de S. Pedro de Alcântara.
+ sabes, ainda não sei a quem vou deixar a minha colecção de calçadas. talvez à M.
+ sim.
- hum… é que já não estamos juntas há algum tempo.
+ pois não. de ti não aceito cobranças nem ofereço nada em penhor, tem paciência. mas é hoje e vamos a pé. vens ajudar-me a despedir-me.
- ah, já percebeste… então.
+ já.
+ é cómico quererem colocar um prato à tua frente.
- pois é. deixa estar, não contraries. e então…?
+ tem sido difícil. muito. tu sabes.
- sei. tenho estado calada à espera que a moeda se gaste e o brinquedo pare de dar voltas. tu, que até enjoas.
+ e como!
- e como… não podes com nada que gire e eras a criança que nos passeios da escola tinha que ir nos bancos da frente do autocarro, ao pé dos professores... ai. não acredito que vais pedir gnocchi.
+ ela fazia-os tão bem.
- por isso mesmo!
+ estou com saudades…
- vai te calhar mal…
+ és uma desconfiada. preciso que me ajudes a superar os truques.
- que truques?
+ no passeio de volta vou tos apontar.
- ah já sei… os antiquários da D. Pedro V, aquela colina esparramada à frente de S. Pedro de Alcântara.
+ sabes, ainda não sei a quem vou deixar a minha colecção de calçadas. talvez à M.
+ à vinda para cá descobri que da Rua Maestro Pedro de Freitas Branco vê-se a cúpula iluminada da Estrela...
- deixa-te disso.
+ já deixei, querida. já deixei.
- essas exuberâncias cansam tanto como a praia. cheira-me a fim de Agosto.
+ a mim também, não penses que endoideci.
- sei que não. sei que estás aí dentro. algures…
+ não sejas idiota. não havia outra forma de suportar isto senão distraída. com borboletas. mercados de flores. quiosques de limonada. colecção de céus e de raios de sol. mas sempre de bússola no bolso.
- …
- deixa-te disso.
+ já deixei, querida. já deixei.
- essas exuberâncias cansam tanto como a praia. cheira-me a fim de Agosto.
+ a mim também, não penses que endoideci.
- sei que não. sei que estás aí dentro. algures…
+ não sejas idiota. não havia outra forma de suportar isto senão distraída. com borboletas. mercados de flores. quiosques de limonada. colecção de céus e de raios de sol. mas sempre de bússola no bolso.
- …
+ por isso deixei de lhes falar. a todos. já tinha os meus de casa a boicotarem-me com as humidades do amor saudoso e sofrido pelo meu desterro. e o M. que não se cansa de mim. eu que me fui tornando cada vez mais espaçosa lá em casa…
- ninguém levou a mal.
+ não sei. isso ainda vou ver. falta pouco e por isso é que ainda menos posso falar-lhes. ou é a sabotagem do final, que se quer pacífico. já não tenho forças.
- estão todos à espera. sossega.
+ receio. dizes-lhes que logo que recupere as 240 horas de sono que tenho em atraso…
- está caladinha que isso nem parece teu. daqui a nada vais começar…
+ a cidade encheu-se de sardinhas decoradas… tenho que levar uma.
- daqui a nada estás é a dizer que gostas de festas populares na rua, poupa-me! queria ver-te nessa alegria romântica no S. João do Rio Largo a levar uma navalhada!
+ é tudo no plano que só plana, menina. não pousa. bem sabes que não bisei sequer o S. João do Porto…
- ninguém levou a mal.
+ não sei. isso ainda vou ver. falta pouco e por isso é que ainda menos posso falar-lhes. ou é a sabotagem do final, que se quer pacífico. já não tenho forças.
- estão todos à espera. sossega.
+ receio. dizes-lhes que logo que recupere as 240 horas de sono que tenho em atraso…
- está caladinha que isso nem parece teu. daqui a nada vais começar…
+ a cidade encheu-se de sardinhas decoradas… tenho que levar uma.
- daqui a nada estás é a dizer que gostas de festas populares na rua, poupa-me! queria ver-te nessa alegria romântica no S. João do Rio Largo a levar uma navalhada!
+ é tudo no plano que só plana, menina. não pousa. bem sabes que não bisei sequer o S. João do Porto…
+ tenho sete pedras de gelo, redondas, na groselha. formam uma flor a boiar, repara!
- só tu... ninguém te conhece... a vocês, que somos duas!
+ pois somos. e gosto tanto de estar connosco.
sexta-feira, 3 de junho de 2011
Alone With Everybody
Alone With Everybody
the flesh covers the bone
and they put a mind
in there and
sometimes a soul,
and the women break
vases against the walls
and the men drink too
much
and nobody finds the one
but keep
looking crawling in and out
of beds.
flesh covers
the bone and the
flesh searches
for more than
flesh.
there's no chance
at all:
we are all trapped
by a singular
fate.
nobody ever finds
the one.
the city dumps fill
the junkyards fill
the madhouses fill
the hospitals fill
the graveyards fill
nothing else fills.
Anonymous submission
Charles Bukowski
the flesh covers the bone
and they put a mind
in there and
sometimes a soul,
and the women break
vases against the walls
and the men drink too
much
and nobody finds the one
but keep
looking crawling in and out
of beds.
flesh covers
the bone and the
flesh searches
for more than
flesh.
there's no chance
at all:
we are all trapped
by a singular
fate.
nobody ever finds
the one.
the city dumps fill
the junkyards fill
the madhouses fill
the hospitals fill
the graveyards fill
nothing else fills.
Anonymous submission
Charles Bukowski