E na noite em que finalmente tudo acabou, não se tinham passado três mas trinta anos. Eles eram dois velhos. Debruçados sobre uma mesa de jogo. De feltro verde carcomido pelo tempo e pelas traças. Dois velhos. De mãos trémulas em redor de dados de faces gastas. Quem os visse assim curvados, já não saberia dizer, entre o bluff e a batota, qual dos dois tinha marcado mais pontos. Em tempos houve um quadro de scores apontados a giz branco. Mas depois, sem apagador, o quadro acabou por se transformar num caos de vitórias e derrotas de saldo nulo. A uma determinada altura da noite, ela juntou os dados na sua mão, despejou-os na dele e, fazendo um gesto de desistência com os ombros, iniciou os pesados movimentos que anunciavam a sua retirada. O vício, apenas o vício, ainda o levou a ele a puxar de um velho baralho de cartas e a iniciar uma lenta distribuição do jogo pelos dois. Mas ela sabia que, também naquele baralho de cantos desfeitos, há muito que não restava nenhuma dama. Saiu da mesa, condenando-o a uma insonsa vitória por desistência do adversário. Na noite em que finalmente tudo acabou, ela deitou-se, dormiu e fez aquilo que já não fazia há muitos anos.
Sonhou.
No seu sonho, ainda não tinha mãos de velha.
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