Todos os fins-de-semana, na minha ausência, aparecem coisas em casa que não estavam aqui antes. E não estou a falar das melgas gigantescas que tomaram conta do meu lugar no sofá. Tudo começou na primeira semana com a materialização de uma cama no quarto de hóspedes. Na segunda semana, quando cheguei a casa, havia um espelho na casa de banho e toalheiros pregados na parede. Desta vez fui surpreendida por um gradeamento no primeiro andar. Alguém descobriu e arruinou o meu plano de me suicidar dentro de casa, atirando-me em voo picado da mezzanine para a sala de estar. Acho que estas aparições não se dão de repente, quando não estou. A casa está viva e prenhe de benfeitorias. Todos os dias cresce. Simplesmente, como o crescimento é lento e eu distraída, só me apercebo quando estou uns dias fora. Ainda pensei que o responsável fosse o suspeito do costume. O meu senhorio, encapotado agente da Mossad. Encontrei uns rastos de sola de ténis à volta da minha casa de banho e tirei-lhe imediatamente as medidas. Com a intenção de o confrontar com as minhas suspeitas inventei um pretexto para o chamar. Apareceu três minutos depois vestido com um daqueles fatos que se usam na caça submarina. Apesar de se ter recusado a tirar as barbatanas consegui calcular-lhe o tamanho do pé e percebi logo que os rastos são demasiado pequenos para terem sido feitos por ele. As minhas suspeitas recaem agora sobre o faroleiro. O homem que, apesar das minhas vigilâncias nocturnas em redor do farol, jamais consegui ver. Abordei o assunto do misterioso faroleiro com o agente da Mossad que se limitou a olhar em redor, fazendo um gesto de silêncio com o dedo sobre os lábios, enquanto deu uma cambalhota no ar e apontou o buraco da salamandra que ainda não existe e que temo que seja a próxima coisa a aparecer no primeiro fim-de-semana em que me apanharem fora de casa. Encolhi os ombros e acompanhei-o à rua onde fiquei a vê-lo afastar-se, caminhando de costas, daquela maneira profissional como se caminha quando se estão a usar barbatanas. Os velhos da praça, logo que me viram à porta, vieram convidar-me para uma jogatana. Tal como previsto, a Vanity Fair que fingi esquecer no tasco local já está a dar os seus frutos. Fartaram-se da bisca. Estavam a jogar xadrez enquanto discutiam a crise política nacional. Um deles disse-me que no tempo do Salazar não tinham que aturar isto porque nunca havia eleições antecipadas. Voltei para casa com uma dívida de jogo e uma inquietação na alma. Aqui ou em Lisboa, as saudades nunca me largam.
E o famoso senhoria não terá outra casa para arrendar? Começa a apetecer-me conhecer essa malta com quem te dás durante a semana.
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