terça-feira, 31 de agosto de 2010
Chegar a casa e não estar em casa
Se não tivessem deixado de importar o meu perfume…
Se me tivesse dado ao incómodo de abrir os caixotes que arrasto atrás de mim…
Se não se desse o caso de esta ser a minha décima terceira casa …
Talvez, ao meter a chave à porta, eu não tivesse a estranha sensação de me preparar para invadir a íntima existência de uma mulher que nunca vi.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Para o ano faremos uma nova tentativa
Foi mais ou menos assim:
Cuca e Estrelita em uníssono: Somos a Cuca e a Estrelita e viemos de Portugal.
Poseidon: Ah! Já sei! Fostes inventadas por aquele poeta zarolho que vos criou lá para o canto IX?
Cuca: Não sejas estúpido Poseidon. Os Lusíadas são uma obra de ficção.
Estrelita: Sai-me da frente que me estás a tapar o sol.
Poseidon: Deslumbrantes criaturas, que posso eu fazer por vós?
Cuca: Anda para aí um boato que envolve o Perseu e a nossa amiga Górgona… Queremos que chames esse cobardolas para termos uma conversinha com ele.
Estrelita: Ó pá!! Não te disse já que saísses do meu sol?!
Poseidon: Não vos sabia dona do sol, senhora doutora ninfa…
Estrelita (concertando o soutien do biquíni e sem se dar ao incómodo de olhar para o velho): Este gajo já me começa a irritar. Não sabes que o sol é uma estrela? Odeio gentinha ignorante. Sabes ao menos fazer uns mojitos decentes?
Cuca (com a sua irritante mania da etiqueta internacional): Não me parece que seja adequado beber mojitos na Grécia, no iate do Poseidon, Estrelita. Isso seria apropriado se estivessemos nas Caraíbas.
Estrelita: Se esse paspalho desse uso à forquilha e fizesse aqui aparecer o Johnny Depp com o seu galeão, eu mudava logo de poiso.
Poseidon (com ar amuado): Tecnicamente falando, é um tridente!
Cuca: Manda lá vir o rapazola Perseu que temos umas contas a ajustar.
Poseidon: Hum...posso tentar fazer umas caipirinhas. Tive em tempos uma empregada brasileira que…
Entra Perseu vestido com uma ridícula armadura e acompanhado de um escudo espelhado, tudo totalmente impróprio para uma tarde náutica debaixo de 40 graus.
Perseu: Chamaram-me? Quem são estas ninfas estrangeiras? Adoro ninfas!
Cuca e Estrelita (em uníssono, batendo palmas): Despe! Despe! Despe!
Perseu vai despindo o monte de latas com tiques de stripper e exibe um corpo que envergonha o David de Michelangelo Buanarroti.
Cuca: éh lá…
Poseidon: Eis Perseu!! Estas deusas vieram do país do poeta zarolho e trazem-te um recado da Medusa.
Perseu, ouvindo falar em Medusa entra em pânico e começa a arrumar as latinhas para se retirar à pressa.
Estrelita e Cuca (com os olhos fixados nos abdominais do Perseu): oh Poseidon, vai lá fazer umas ondinhas e deixa-nos aqui sozinhas com o Perseu que isto não é para a tua idade!
Poseidon: A minha mãe sempre me disse para não confiar em estrangeiras… Vou-me queixar ao Zeus!
Poseidon retira-se numa prancha de surf puxada por dois leões marinhos, levando consigo o tridente debaixo do braço.
Perseu (ainda a tremer, balbuciando baixinho): Medusa? Medusa? Medusa? Tenho que me ir embora. Lembrei-me agora que estou cheio de pressa…
Cuca e Estrelita: Medusa? Quem falou em Medusa?
Cuca: Isso não é uma alforreca manhosa que se cola à pele?
Estrelita: Isso não é o nome do símbolo da Versace?
Cuca, Estrelita e Perseu passam o resto da tarde no deck do iate de Poseidon a beber mojitos feitos pelo Jack Sparrow que, entretanto, avariou a bússola e se perdeu por aqueles lados.
Quando acordaram, o dia seguinte era uma semana depois e estavam a aterrar em Lisboa.
sábado, 28 de agosto de 2010
Noves Fora, Nada
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Medusa Is Heavily “EVELy” Drunk OR The Fuckin’ Bee OR Amigos Que São Muito Más Companhias
Lobo A.: Ora, minha querida, já lhe prometi que a acompanho nessa pantomina da abelha até à cova. Não vai ser pela minha boca que vão saber que a minha querida teve aquele ataque de choro e fúria ao acabar o livro que fala da vida de um senhor ministro. Livro que, lamentavelmente, a minha querida atirou para a piscina e que se desfez quase instantaneamente no ph 7,1. E que o palavrão que murmurou ao arremessá-lo era para mim. E que a minha querida já não chorava por causa de um livro desde que, aos 13 anos e de um fôlego, leu o Fernão Capelo Gaivota.
M: Que disparate! Atirei o livro à mentecapta da abelha! À mentecapta da abelha!
Lobo A.: A pobre nem a beliscou, minha querida… Vá, já lhe assegurei que não conto a ninguém. Seja boazinha e vamos beber o café para a sala, já todos foram. Escute: quero ouvir os improvisos do Fritz ao piano. Vá lá.
M: É um idiota. Sabe bem como o estimo e põe-se com estas coisas. Sabe que mais? Não passa de um crápula ordinário que usa os seus truques de psicanalista e os seus olhos azuis para atrair garotas. Estou cheia de si! Não satisfeita mas cheia. Amanhã já começo os Cavalos Que Fazem Sombra…
Lobo A.: Está bem. Sossegue. Quando voltar do seu passeio pelo vinhedo esta madrugada e chegar com os pés carregados de terra (que vai sorrateiramente lavar à piscina, pensa que eu não sei?) e a camisa de noite esfarrapada e ainda a mastigar pétalas de rosas, estarei à sua espera para falarmos sobre isto. E fumamos um cigarrinho juntos, sim?
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Midsummer Night’s Teaser
Meias luzes por toda a casa. Entorpecimentos.
O xisto liberta-se do calor que engoliu o dia inteiro enquanto estivémos ao sol e nos embalsamámos em loções.
Ficamos reduzidos a dois. Não apreciamos particularmente qualquer jogo de cartas. Estou a baralhá-las há dez minutos. Sopram-se das minhas mãos e espalham-se pelo chão.
A piscina. Lá fora.
My bikini is still wet… – I argue
Well babe, we’ll find a way to it, won’t we…?
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Postal Ilustrado
Introducing Medusas' new shrink: Erasmus
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Possessa pelos sítios, como os gatos
Não tenho cidade e até tenho. A questão é que tenho mais que uma, como se tivesse nascido de uma forma simultânea em duplicado. Sou de mim aquilo a que se chamava sósia e que a ciência aprimorou como clone.
Talvez seja esta a razão de não me assustar a duplicação de sentimentos. Consigo sentir o mesmo por mais que uma pessoa ao mesmo tempo.
Talvez seja esta a mesma razão da minha fraqueza de toxicomaníaca de algumas coisas, aos olhos dos outros patéticas, mas que fixam a minha satisfação a determinados locais.
Noutro dia, depois de mais uma visita a um comerciante do qual dependo (apesar da distância da minha casa que, entretanto, aumentou muito), tive a coragem de atravessar a rua e entrar na Praça, um pouco acima.
Ainda não tinha lá voltado depois da remodelação facínora que fez conjunto com outras obras públicas vergonhosas que golpearam de morte a cidade que já vinha a falecer de mansinho.
Dali eu voltava, aos Sábados de manhã, com uma braçada de flores. E o resto que a minha mãe queria comprar. As flores eram as únicas compras que eram só minhas. E havia aquele cheiro ardido a pescado fresco. Vendia-se e comprava-se no chão. Alguns à sombra, aqueles que tinham bancadas à volta do pátio interior. As lojas de fora eram as peixarias que mantinham os passeios constantemente encharcados como que para poupar os peixes e o polvo das saudades do mar. Um quiosque com montra onde conviviam o Pato Donald e uma morena impossível de desenhar ou uma loira inédita nas capas da Playboy. A micro-ourivesaria onde se vendiam relógios Swatch. A casa dos linhos e bordados. Outra de chás e produtos naturais. A dos bichos, onde chegámos a comprar periquitos e peixinhos, daqueles que morriam dois meses depois sem mais nem porquê.
O comércio resistiu emoldurado por tapumes durante todo o tempo em que a reabilitação durou. Cortada a fita da inauguração, parece-me envergonhado nos seus caixilhos novos de vidros duplos. A fachada, essa cobriram-na de um amarelo e um cinzento impróprios.
Lá dentro não há mais canteiros para se expor as novidades da horta, nem o sol aquece o percurso das compras. Há elevadores, extintores, dísticos a proibir e a permitir e a informar, escadas de emergência, pavimentos lisos, degraus assinalados.
Há paredes e tecto onde havia uma arena aberta. E não cheira a nada. Onde cheirava a tanto.
Eu seria uma viúva mais consolada se fosse o mar a arrasar a minha Praça. Como fez à igreja matriz, em tempos.
Mas, ao mar, já não o deixam bater assim.
domingo, 22 de agosto de 2010
Rigor Mortis
Pessoas que compram casas com roupeiros embutidos. Roupeiros sem graça nenhuma que combinam com os rodapés e o parquet no lugar de móveis espantosos por serem altíssimos e onde se guardaram gerações de vestidos de cauda em cabides que tem uma pega para que se possa retirá-los do varão. E que se chamam guarda-vestidos. Gente sem camiseiros nem toucador. Satisfeitos com as cozinhas equipadas de electrodomésticos encastrados, perfilados, como se os fossem fuzilar.
Os zombies. Que exalam normalização. As férias, sempre da mesma forma. As festas de aniversário numa constante no que se refere à pâtisserie.
Não há riscos. E não estou a falar de tentar benji-jumping… Só há protecção. Mas sem os primeiros, serve a segunda para exactamente o quê?
É tudo tão certo que só apetece desmanchá-los. À pancada. Até ao dia em que eles se desmancham a eles próprios.
sábado, 21 de agosto de 2010
A manhã não vai ser de praia
A humidade passa ligeira e oblíqua no halo da iluminação pública que me calhou em frente a casa. A temperatura é própria a criaturas que gostam de dormir sem desidratar por todos e cada um dos poros do seu corpo.
Lembra-me a estola de vison. Sim, vison, esses bichos que são capturados apenas para que se lhes arranquem o couro e dos quais só se aproveitam os lombos, como costuma realçar a turba de esquerda. A mesma que não gosta da festa brava. Apenas se aproveita o lombo do animal porque as patinhas ficam danificadas nas armadilhas, como é óbvio.
E penso na manta que tenho que comprar para este Inverno. Quero uma nova porque a que a minha mãe furtou à British Airways fica cá em casa.
Caxemira; em cinza-chumbo ou azul-petróleo. Adoro essas cores impossíveis e sei que vou andar doida com os exemplares vermelhos e amarelos que me vão tentar impingir dizendo que são cores quentes próprias e normais para mantas. Mas não para mim.
A manta é totalmente figurativa, sei-o. É para aconchegar a solidão bem encaixada no meu colo. Se não encontrar a que quero, embrulho-a no vison mesmo.
Soube há pouco que ia ser raptada para o Alto Douro muito em breve. Bom sítio para os meus passeios dementes.
Voltaram as noites normais.
As noites normais.
Apetece escrever à mesa da sala de jantar. Que era dos meus avós. Com um candeeiro do lado esquerdo e de janelas abertas sem recear as apunhaladas dos mosquitos. A beber um chá quente acompanhado de biscoitos torrados feitos em quatro moldes diferentes da Hello Kitty.
De soslaio e envergonhada por estas linhas, fito o Lobo A. que estou quase a acabar de lamber.
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
No need to pee on a stick!
Que continuem a ENCANTAR-lhe certas coisas simples.
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Até Já!
Medusa, desde que teve aquele mal-entendido com o cobardolas do Perseu, é persona non grata lá por aqueles lados.
Como tal, fica por aqui a tomar conta do tasco.
Kalimera, Kalispera, Kalinixta e Eukaristó.
Espelhos
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Pesadelo de uma noite de verão
Da mesma varanda vejo-te a ti, ao lado dele. Tens um vestido de seda que foste comprar à pressa para a noite de hoje. É demasiado parecido com os meus para teres sido tu a escolhê-lo. Calças uns sapatos impossíveis que ele te comprou. Levou-te à loja, pediu o teu número à empregada, como se nem sequer lá estivesses. Experimentou-tos sem olhar para ti e deu-te o saco depois de saírem da loja. Também sei muitas outras coisas sobre ti. Sei, por exemplo, em que cabeleireiro te estragaram o teu tom de mel natural, com essas madeixas louras que te fazem parecer mais velha. Sei que preferias usar uns ténis. Ter ficado em casa a beber cerveja com as tuas amigas. Aquelas duas que ainda te restam. Agora que a prioridade da tua vida é viver a vida dele. Sei em que carro chegaram. E que ele parou à porta e entregou-o para que alguém o arrumasse. Sei quanto deu de gorjeta. Sei de que piadas não te riste no chatíssimo jantar de dez pessoas que antecedeu a decisão de vir dançar para este sítio. Decisão que, obviamente, não passou por ti.
Sei porque tens uma sombra sobre o teu rosto perfeito. Sei que sabes que foste enganada por ele na noite de ontem. E sabes que serás enganada por ele na próxima semana. Que já lhe procuraste os registos do telemóvel. Que já ligaste para números suspeitos. Que te atendeu uma voz ensonada de mulher. Sei a que te souberam as lágrimas que choraste na cama. A cama escolhida por mim. Num quarto azul. Um azul celeste que demorou três dias e dois pintores a conseguir. Não sei o teu número de passaporte. Nem sequer sei o teu apelido. Mas basta-me ver o movimento ansioso do teu corpo de modelo, ao lado dele, para perceber que já te explicaram que se não estás bem deves mudar-te. Que já te estenderam uma lista de prioridades da qual não fazes parte. Que já percebeste que, logo que a tua beleza foi banalizada, passaste a valer menos que a estátua da entrada da sala. Que também foi escolhida por mim.
Se só o querias a ele, nunca deverias ter aceitado a minha vida.
Estou pendurada na varanda do restaurante e tenho atrás de mim o meu futuro. E à minha frente o meu passado. E é estranho olhar para ti, ainda tão nova e já tão triste, saber estas coisas todas, e não perceber exactamente de quem é que tenho pena.
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Agenda da Semana
domingo, 15 de agosto de 2010
Deus tem uma agenda mais estranha do que a minha
Consta que um grupo de surfistas decidiu criar uma Bíblia, originalmente chamada a “Bíblia dos Surfistas”, que é uma espécie de Novo Testamento em linguagem mais acessível à classe – imagino qualquer coisa como “É assim: aquele milagre custou uma beca a fazer a J.C., que ficou bué de cansado” – com fotografias de surf e devidamente impressa em papel plastificado, para se poder levar para a praia enquanto se espera que o mar deixe de estar flat.
E porque é que isto explica tudo? Perguntariam vocês se se dessem ao trabalho de ler os meus posts, ainda por cima um com um título que inclui a palavra Deus.
Tranquilizem-se as almas mais cépticas que andam por este mundo a perguntar-se, se Deus existe e é bom, porque raio há moscas em vez de comida em redor das bocas das crianças de África? Porque é que a indústria da guerra continua a assassinar inocentes? Porque morrem como tordos os bons cristãos, atacados pelo cancro, ataque cardíaco e pelo Range Rover que circula do lado contrário da auto-estrada?
Finalmente, um dos rapazes adeptos da novíssima “Bíblia dos Surfistas” dá-nos a resposta no noticiário da SIC:
Explica ele:
“Se deus me deu aquela onda boa…se me proporcionou aquele bom momento… foi por alguma razão…”
E aí está! Deus anda ocupado a criar ondas para a malta fazer surf…como podem esperar que tenha tempo para se lembrar dos desgraçados que morrem nos tsunamis?
Vicky Cristina Barcelona
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Cães mortos pendurados no tecto
Sobrinho1: Mas tia, eu queria taaaanto ter um cão!!! Porque é que não posso?!
Sobrinho2: Sim, porquê? porquê? porquê?
Cuca: Porque depois morrem e é tudo muito chato.
Sobrinho2: Chato como? Porquê? Porquê? Porquê?
Cuca: Porque depois nunca mais o vês e tens um desgosto!
Sobrinho2: Desgosto como? Como quando tu te separaste do tio A. e eu nunca mais o vi?
Tchüss!
algum disco fever
boiar como uma cereja nuns litros de dry m.
fazer népia
acabar o Grass e devorar o Lobo A.
brincar aos cabeleireiros com a Freddy
love
montar tenda na capital
começar a devanear sobre trapos para o inverno
Medusa em vadiagem durante as próximas quatro mudanças de lua. Mas sempre com estrelas e criaturas míticas nos olhos. Bye.
Paixão Demente
obsessivo
labiríntico
claustrofóbico
paranóico
sobreposto
excessivo
impiedoso
obstinado
exaustivo
pertinente
Enquanto não ler todas e cada uma das letras deste homem,
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Grandes Filósofos
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Qual é a dúvida!?
(Com ar desconfiado)
- Mas isto é parecido...
Paddock Girl
Um desarranjo logo aos 17 anos. Aquele típico da primeira vez.
Dietas exclusivas de ananás e água fervida. Internamento hospitalar na sequência da óbvia debilidade que lhe causaram.
Os pais deviam saber que isto tudo estava para vir quando, no final de Julho de 1976, regressou de um acampamento, mais a irmã, num tanque do exército. Trazidas pelos militares que, por sorte, também haviam estado no mesmo Gerês que elas. Em tendas muito piores que as delas, que cheiravam a Creme Nívea de lata azul e a Heno de Pravia.
Numa mão, a confirmação da admissão à licenciatura em veterinária. A opção mais que natural para quem albergava tudo quanto é mamífero que lhe passasse à porta. A casa de campo dos pais, morada da família, prestou-se a que chegasse a ter mais de 30 gatos.
Na outra mão, a melhor nota do concurso público para hospedeira de bordo na TAP.
Numa das suas fotografias mais bonitas está fardada, cap incluído, a afagar a Happy. Foto da qual toda a família recebeu cópia com uma dedicatória lamechas qualquer a cargo da minha tia. Com a Happy que perdeu as suas primeiras e únicas crias ainda no ventre, esfacelado pela ventoínha do Renault 5 preto da dona. O Renault sem puxadores nas portas. Tinha apenas uns botões. O que me fascinava. Era o carro da minha prima com nome russo e 14 anos mais velha que eu.
As suas peles continuam a passar as estações quentes num frigorífico, em Paris.
Quantas vezes foi ao Rio apenas para ir comprar um bikini novo.
Apesar de ter feito muitas, carrega um ódio mortal ao tempo. Segue o circuito de MotoGP in loco. Agora sem o filho mais velho que, entretanto, já se senta diariamente num cockpit para trabalhar. Noutro dia contava-me, endiabrada, que ao fim de mais de dez anos a apoiar o Valentino R. havia, finalmente, recebido o livre-trânsito “mais VIP”. Uma pulseira amarela em borracha, com cheiro a chiclet.
Não é o seu primeiro paddock. Lá em casa há um retrato seu, feito a carvão e assinado “Ricardo P.”.
Talvez seja o último.
Ela era e continua a ser a mulher mais bonita que já conheci.
terça-feira, 10 de agosto de 2010
A terrível contradição das mulheres
Helena de Tróia abandonou o seu devotado marido Menelau para fugir com Páris.
Inês Pereira, mais inteligente, precisou de uma série de amarguras até concluir pela preferência a um asno (que a carregue) do que a um cavalo (que a derrube).
Se Romeu não fosse um gandim com instintos de assassino, Julieta nunca lhe teria prestado atenção.
Scarllet O´hara, admirou Rhett Buttler pelo facto de ele a desprezar.
As mulheres vão sempre preferir os machos Alpha, apesar de já saberem que não são esses que as farão felizes.
Pode-se culpar a genética, responsabilizar as tragédias clássicas, atirar com a factura para as comédias românticas. É indiferente.
Consta que os machos se dividem em Alpha, Beta e Omega, sendo que os Beta são os que ocupam a linha de sucessão para Alpha e os Omega são os que nasceram para ser espezinhados por toda a gente.
Não se fala desta divisão a propósito das fêmeas, o que, se pensarmos bem, até faz sentido. Todas as fêmeas são potencialmente Alpha. Por isso mesmo escolhem machos da sua própria categoria, que lhes garantam uma descendência de Alphinhos puros.
E essa necessidade estratégica, lamentavelmente, é-lhes mais cara do que a própria felicidade.
Darwin esteve quase lá, mas acabou por ver as conclusões do seu próprio estudo deturpadas pelo facto de ser um preconceituoso que se recusava a admitir a superioridade feminina.
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
A Whiting And a Snail
‘You can really have no notion how delightful it will be
‘What matters it how far we go?’ his scaly friend replied.
sábado, 7 de agosto de 2010
Passeio no parque às 0 horas e 30 minutos
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Este Verão tem que acabar depressa
Escanzelada, trigueira. Assim era a que me desenhou um sol dinâmico no interior do tornozelo esquerdo.
Podia ser bonita, porque ainda jovem e interessante, mas falta-lhe tudo aquilo que ela despreza. Um bom hidratante. Protecção solar. Roupa de cama decente e três almofadas de penas.
O traje pretendia ser medievo. Os cabelos muito secos, enleados numas flores também secas.
Por dentro, a tenda é esmagadoramente púrpura e decorada de forma muito feminina. Demais.
O catálogo são folhas A4 encadernadas. Bichos. Símbolos. Coisas Celtas. Coisas supostamente escritas em árabe. Tem orelhas e está sujo no canto inferior direito.
Explica-me que onde vive habitualmente, em Óbidos, a chamam de bruxa. E que não se importa. Porque bruxa é sinónimo de bússola, aquela que indica o caminho.
Já sentada em almofadas e outros trapos empestados de incenso, finjo que acredito nas patranhas infantis dela.
Desenha o sol. A mão livre.
Para cima da henna ainda húmida sopra a purpurina que eu escolhi: prateada. O pó foge para longe do desenho. Ela explica: eu escolhi mal. O sol não aceita a inferioridade da prata e só merece ouro. Vai buscar o frasquinho da purpurina dourada que se cola, em massa, ao desenho.
Bruxa.
Ri-se com os olhos verdes que filtram o sol que lhes entra como num prisma.
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
A filha da peixeira
No passado foi de tudo, desde filha de uma peixeira suicida a prostituta numa famosa casa da especialidade. Embora alardeasse a primeira com uma frequência perturbadora, nunca me contou a segunda, que foi confirmada por um amigo com mau gosto, boa memória e incapacidade de se deixar iludir por nomes artísticos.
Fez-se amante de um homem importante que se entreve a mascará-la de senhora. Durante uns anos. Apenas.
Comprou-lhe os trastes etiquetados que lhe vi no armário. As jóias que ela acabou por enterrar no prego. O BMW que ficou esquecido na oficina por falta de dinheiro para pagar os arranjos. As lojas que foram vendidas em hasta pública. O apartamento no centro de Lisboa que estava penhorado.
O declínio começou quando a família importante do homem importante tomou consciência dos custos de manutenção daquela amante. As famílias importantes são eficazes. Obedientemente, ele fechou-se na quinta de Sintra mas, desta vez, com a amante do lado natural dos portões. De fora. Aos gritos e pontapés.
Claro que os portões da quinta de Sintra eram demasiado sólidos para se deixarem abalar pelos murros de uma amante, ex-prostituta, com apetência para o escândalo, para a chantagem e para a extorsão. Mais uma vez, as famílias importantes são eficazes. Rapidamente, arranjaram maneira de a tornar invisível e muda.
O medo enfiou-a sozinha no apartamento de duzentos metros quadrados. A engordar.
Foi nessa altura que a conheci.
Empenhava-se a tempo inteiro na função de ser uma caricatura de si própria. Uma imitação sarcástica dos dias em que foi uma senhora.
Ainda mantinha o guarda-roupa que era, também ele, uma caricatura kitsch do pior que a alta costura criou. Os quarenta quilos de ódio que engordou impediam-na de usar as suas roupas. Era como se ela já não se servisse a si própria.
Tresandava a decadência. Chegava a ser opressora na tragédia que anunciava.
Acabei por me convencer que um dia seria encontrada morta naquele apartamento. Afundada em álcool e comprimidos.
Não fiquei à espera para confirmar a minha intuição.
Reencontrei-a, casualmente, há uns tempos atrás.
Perdeu os quarenta quilos que o amante lhe ofereceu como presente de despedida. Arranjou um amante novo. E um guarda-roupa a condizer. Presumo que esteja a repor a sua situação imobiliária.
Despedi-me com um sorriso:
Subestimei-a.
Nos seus tempos de decadência, tinha uma frase maravilhosa com que resumia o seu estado de espírito:
“Tenho a alma partida”.
Problema matemático
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Congrats Babe
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Latas de conserva
Foi tirada no nordeste brasileiro, mais ou menos pelos dias de hoje, mas de há sete ou oito anos atrás.
Estás sentado num banco de pedra de uma praça da vila. Com o mar por trás e uma tenda de venda cocos ao lado. Tens vestida uma camisola azul de mergulho. Não te ris para o fotógrafo japonês que interpelaste no meio da rua. Escolhias sempre os japoneses porque dizias que eram os únicos que conseguiam tirar fotografias aproveitáveis.
Ris-te para a mulher que tens no colo. Mas ris-te de uma forma tão descontroladamente infantil que dir-se-ia teres acabado de ouvir a anedota da tua vida. A mulher segura um coco com duas palhinhas espetadas e também não se ri para o fotógrafo. Ri-se para o lado oposto ao teu com uma expressão gémea da tua.
Conheço-te a ti. Mas seria incapaz de reconhecer a mulher da fotografia.
Uma fotografia bastante “aproveitável”, por sinal.
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Coisas estranhas acontecem quando se decide ordenar livros
Foi então que, absolutamente desnorteada, dei comigo a olhar para um livro chamado “Guia Para ficar a saber ainda menos sobre as mulheres” da Isabel Stilwell.
Não é que eu não tenha livros maus. Tenho. Uns por flagrantes erros de casting motivados por títulos presunçosos (caso do assustador “Enquanto esta música durar és só minha” de uma tal Margarida Brum). Outros por mau gosto de ofertantes bem intencionados e outros, ainda, por razões estranhas que demoravam um post a explicar.
Por exemplo, embora tenha conseguido escapar ao Paulo Coelho, sou a infeliz proprietária de três Brian Weiss. Dois oferecidos e um meio roubado, mais uma vez por causa do título e da ironia do momento.
E apesar de até ter um livro chamado “As Diopterias de Elisa” que tenho a certeza que só vinte pessoas conhecerão e dessas só cinco leram, o que é certo é que tenho uma biblioteca controlada em que conheço os fungos que saltam da estante.
Aquele livro deixou-me perturbada. Tinha a certeza de não o ter comprado e sou demasiado sensível para não registar o momento traumático que teria sido rasgar um papel de embrulho e dar de caras com aquilo.
Abri o livro e comecei a observar o desastre, do fim para o princípio. Senti aproximar-se a possibilidade de ter um daqueles flashes em que a pessoa descobre que teve outra vida em que foi assassino da Mossad ou caixa do Pingo Doce, ou coisa assim parecida.
Á medida que olhava para o conteúdo do livro, o mistério adensava-se. Como é que aquela nódoa escapou? Como teria aquilo entrado na minha casa? Oferecido com um jornal? Dentro de uma revista de gaja? Largado na caixa do correio? Com um bilhete anónimo a insultar-me?
Quando, já branca e horrorizada, temendo pelo meu passado, confusa com a minha identidade, cheguei à primeira página, a justificação estava lá escrita, em letra torta de esquerdina, a rir para mim com ar sádico:
Estrelita, vírgula, Lisboa, vírgula, 24 de Novembro de 1999.
Respirei de alívio.
Tenho a certeza que é a isto que se referem com aquela conversa de os amigos também servirem para nos obrigar a pôr em causa.
Panegírico da Alienação
Tornou-se impossível. O que agora acontece são doenças de nome teutónico, muito diferentes da loucura delirante. São assépticas e sensaboronas. Não há coerência no espectáculo. É triste.
Nunca me deviam ter vedado o prazer de me finar demente.
Em qualquer estação do ano durmo em camisa de noite comprida – sempre preparada para sair a meio do sono despenteada e descalça pela rua.
domingo, 1 de agosto de 2010
Eu tentei...
Mas agora não aguento mais:
O PIPOCO LINKOU-NOS!!!!
Estar à altura das expectativas
Pense-se numa criança de cinco anos que visita a casa de um casal sem filhos. Uma casa cheia de cristais, porcelanas e objectos de design. Espalhados de acordo com critérios que não prevêem a existência de um intruso infantil. A criança chega e senta-se. Mas só consegue estar sentada durante cinco minutos. O próprio sofá é impróprio para crianças. Digamos que é branco. O anfitrião olha de lado para as solas enlameadas dos ténis da criança e traça uma linha de perigo. Depois a criança levanta-se e circula pela sala. Os pais advertem-na que não pode tocar em nada e regressam à conversa de adultos. A criança fica sem vigilância a deambular pela sala. Sem vigilância aparente. Porque, de tempos a tempos, capta o olhar desconfiado do anfitrião. A medir o perigo, na sua impotência de anfitrião bem-educado. Instala-se a tensão. Não há nada na sala que possa distrair a criança dos valiosos objectos cuja fragilidade os torna proibidos. Numa primeira fase limita-se a olhar. Mas ele já sabe que haverá uma segunda fase em que terá que tocar. Toda a sala o sabe. Os adultos continuam a conversar num esforço consciente para ignorar a tragédia iminente. O miúdo estende um dedo para um candeeiro de cristal murano que abana ligeiramente e volta ao seu lugar. Os anfitriões entreolham-se num arrepio que lhes percorre a espinha. A expectativa de que o miúdo estrague a harmonia da sala torna-se ensurdecedora. Ele absorve o clima. Incapaz de fazer outra coisa que não seja corresponder a expectativas, decide que desta vez vai apenas cheirar um vaso da dinastia Ming.
E o estrondo que preenche a sala quando o vaso se estilhaça representa o alívio de todas as tensões. O último suspiro do moribundo. Os pais fingem espanto. Os anfitriões encolhem os ombros. É como se a sala inteira gritasse um “já está!” aliviado. Aconteceu o que tinha que acontecer e se sabia que aconteceria desde o momento em que a criança entrou na sala. Podem todos voltar sossegados à sua conversa de adultos.
Agora pense-se num homem mediano que entra na vida de uma mulher cuja cabeça poderia ser o catálogo de uma season dos leilões da Christie´s.
É exactamente a mesma coisa.