segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Medicamentos do coração

Sofri suficientes desgostos de amor para conhecer de cor cada um dos degraus de pedra de que são feitas as minhas escadas de Kubler-Ross. São altas e retorcidas. Enquanto rastejava por elas, acima ou abaixo, consoante a época do ano, a incidência da luz e os períodos de recessão ou progressão, tive oportunidade de aprender o equivalente a todo um curso superior de geologia. 
Sei muitas coisas sobre corações partidos e ainda mais coisas sobre a alquimia das substâncias que compõem a cola capaz de os endireitar. Experimentei a hiperatividade; a inércia; o áudiolivro do Melville e a sua baleia branca; todos os Jane Austen; a tradução de poemas ingleses; o estudo dos árabes; as festas e a eremitagem. Nunca acreditei no poder curativo do amor, talvez por, antes, ter sido esse mesmo a fonte da doença e eu saber há muitos anos que o que é parte do problema jamais pode ser parte da solução.
Finalmente, tive o meu primeiro desgosto que não foi de amor. Aprendi que quando não é de amor, é só de dor. Tudo o mais é basicamente igual, pois a infelicidade é monocromaticamente aborrecida e as lágrimas sabem sempre ao mesmo. 
Quando o desgosto não é de amor, sei-o agora, o amor é cura e antídoto. 
Passei os últimos dias embrulhada no silêncio da natureza e nos braços do meu amor, com o tempo suspenso na lenta espera da cicatrização dos tecidos. 
O amor, fiquem sabendo, é um corticóide de ação rápida. 

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