sábado, 26 de dezembro de 2020

Tango caliente

Quebradas as amarras e a pequena campanula de cristal, a bailarina dança livre sobre a caixa das jóias. Tchaikovsky não previu isto. Os brilhantes que se soltam do cabelo de nylon espalham-se pelo mogno da base ao ritmo em que o cisne negro mergulha na sua profunda loucura branca. 
A bailarina já não gira aprisionada numa caixa de música. Fez do tampo o seu palco e dança e dança e dança até gastar os sapatinhos de plástico prateados. 
Sobre ela há de cair a noite de hoje e mil e uma outras. A bailarina dobra-se, por vício ou reflexo condicionado, na vénia à plateia imaginária. Ninguém bate palmas. A bailarina ainda não sabe. Mas, liberta, já dança sozinha para essa outra figura que a espera, do outro lado do espelho da caixa de música. 

Sem comentários:

Enviar um comentário