quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Noite

 Às vezes o peso da noite acorda-me no estremecimento de não saber onde tenho a espada. Entreguei-a há tanto tempo que devo ter esquecido onde a guardaram. Todos os armistícios têm o preço do desarmamento. E acordada não me queixo. Paguei pelo amor infinitamente menos do que vale. Pagaria, a cada dia, cem vezes mais. 

Porém, o sono faz-me ingrata. Sinto na jugular as ondas do velho mar e julgo que é do sal o que afinal é cheiro de terra. Ferve-me o sangue na memória da batalha. Peso a lâmina que me comanda o pulso. Todos os espelhos da casa refletem na alma a sombra que o dia não vê.
Depois acordo e tudo é paz, calor e terra e um rio na janela. 
E abraço-me com força à manhã. Para que a outra, que também sou, não me leve com ela.

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