quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Giselle e o fantasma do Natal passado


Giselle, camponesa e pobre, tinha uma alma ignorante de sofrimento quando se apaixonou por Loys, que afinal era Albrecht, disfarçado e entediado duque da Silésia. No final do primeiro acto Giselle descobre que foi enganada por Albrecht e morre de desgosto.
O segundo acto decorre no cemitério, em frente da campa de Giselle, onde um Albrecht arrependido a vai chorar e tem um encontro com as wilis, fantasmas das noivas que morrem antes do casamento e que, por vingança, decidem matar Albrecht. No final do segundo acto Giselle impede a morte de Albrecht e entrega-lhe o seu perdão.
Giselle morre. Albrecht vive.


A última sessão de Giselle aconteceu dois dias antes do Natal. As coincidências, a falta de imaginação e o humor negro do destino, acabaram por nos fazer sentar aos dois, lado a lado, como uma mancha numa plateia de felicidade e paz natalícia embrulhada em visons e iluminada por brilhantes, muito depois de o nosso próprio dueto artístico de entretenimento doméstico se ter desfeito em palco.
Tornou-se evidente que tínhamos uma mensagem um para o outro que esperávamos que passasse através dos nossos corpos rígidos, concentrados na tarefa de não se tocarem e dos nossos olhares vazios, absortos na insistência em nada reflectirem.
Não sei se ele percebeu que eu lhe queria explicar que nos assassinou e nos condenou a viver como fantasmas aprisionados entre uma vida que se perdeu e uma outra que não há maneira de se saber ganhar.
Sei que, apesar de ter percebido bem a mensagem dele, talvez por não dispor da inocência bucólica de Giselle, não fui capaz de lhe perdoar.
No final do último acto, quando as nossas mãos incidentalmente se tocaram, os nossos olhares reflectiram um final próprio.
Albrecht e Giselle estavam ambos mortos.

1 comentário:

  1. O Presépio somos nós
    É dentro de nós que Jesus nasce
    Dentro deste gestos que em igual medida
    a esperança e a sombra revestem
    Dentro das nossas palavras e do seu tráfego sonâmbulo
    Dentro do riso e da hesitação
    Dentro do dom e da demora
    Dentro do redemoinho e da prece
    Dentro daquilo que não soubemos ou ainda não tentamos

    O Presépio somos nós
    É dentro de nós que Jesus nasce
    Dentro de cada idade e estação
    Dentro de cada encontro e de cada perda
    Dentro do que cresce e do que se derruba
    Dentro da pedra e do voo
    Dentro do que em nós atravessa a água ou atravessa o fogo
    Dentro da viagem e do caminho que sem saída parece

    O Presépio somos nós
    É dentro de nós que Jesus nasce
    Dentro da alegria e da nudez do tempo
    Dentro do calor da casa e do relento imprevisto
    Dentro do declive e da planura
    Dentro da lâmpada e do grito
    Dentro da sede e da fonte
    Dentro do agora e dentro do eterno

    Tolentino Mendonça

    Um Natal tranquilo

    Maria Helena

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