Uma rua cheia de árvores nuas, carros e pessoas com sacos. E os presentes dentro dos sacos a passarem pela minha ausência. Encostada à porta. Daquilo que também foi a tua casa. Em breve já nem sequer casa de ninguém. Agora cada vez mais vazia. Com a miúda atrasada para me devolver as chaves. E a minha voz sumida ao telefone a dizer que sim que esperava. A ausência de mim encostada à nossa porta. Ao que foi a tua porta. Sem sacos com presentes. À espera. Talvez à tua espera.
- Podemos subir agora?
A miúda a abrir-me a porta da minha casa. À minha frente. A dar-me tempo para reconhecer o elevador onde me começavas a abraçar. E eu a mover-me lentamente. Incapaz de carregar no botão certo. Seria o C ou o D? Foi há tantos anos. E a miúda cheia de pressa e de sacos. A estranhar a minha lentidão. Foi ontem. A minha recusa em sair do elevador. A respiração cada vez mais lenta.
Como uma velha.
Ela a abrir a porta de casa. E eu a fazer o favor de entrar. Para receber as chaves. Talvez ainda as que mandei fazer para ti. Talvez as que viveram dentro dos teus bolsos. E a mesma cómoda onde as deixavas cair à entrada. O barulho que me anunciava a proximidade dos teus braços. Agora apenas a avisar da partida de uma miúda. A casa já vazia. Com a porta do quarto entreaberta a atirar-me à cara um colchão despido.
- É melhor conferir para ver que está cá tudo.
E eu a olhar para a miúda. A saber que não estava lá nada. O espaço dos teus fatos no roupeiro vazio. Eu a não resistir a abrir a porta do roupeiro. Como se pudesses ter voltado na noite. Na minha ausência. Um presente dentro de um saco.
A miúda a querer entregar-me uma caixa cheia de cartas por ler. O teu nome nas cartas. Com pressa para me devolver a casa. Sem perceber o meu olhar decepcionado para o roupeiro. Para o colchão despido. Para a vista das traseiras. Para o candeeiro apagado.
- Está tudo como quando cá entrei.
E não estava nada como quando saímos dali juntos. Para uma outra nossa casa. Onde os teus fatos ainda apodrecem. E ainda há cartas com o meu nome. Mas onde já não deixo chaves em cima da cómoda.
E eu a dizer que sim à miúda. Que estivesse tranquila. Que só não sabia o que haveria de fazer agora com aquela casa. Com os meus metros quadrados de passado devoluto. O meu corpo a deixar-se cair em cima do banco da entrada. Ou da tua saída. A mesma mão indecisa entre afastar a caixa das cartas ou as lágrimas da cara. Que haveria de tratar disso depois. E a miúda, cautelosa, com a vergonha de quem ouve uma conversa íntima de terceiros.
- Podemos descer, então?
E eu a dizer-lhe que sim, que estava pronta para ir. Mas a permanecer na imobilidade absoluta. Dobrada sob o peso excessivo do meu casaco de viúva. As costas da mão a afagar uma parede fria. As tuas costas nessa parede. Como na noite em que me despedi de ti.
E depois, eu própria a querer acabar com aquilo rapidamente. A sacudir as mãos. A trancar a casa vazia. Com as chaves dela. As tuas chaves. A virar as costas aos restos mortais da nossa existência. A fingir procurar coisas dentro da mala. A evitar encontrar-me no espelho do elevador. A esquecer-me da miúda. A descer para uma rua cheia de árvores nuas, carros e pessoas com sacos. E presentes.
- Podemos subir agora?
A miúda a abrir-me a porta da minha casa. À minha frente. A dar-me tempo para reconhecer o elevador onde me começavas a abraçar. E eu a mover-me lentamente. Incapaz de carregar no botão certo. Seria o C ou o D? Foi há tantos anos. E a miúda cheia de pressa e de sacos. A estranhar a minha lentidão. Foi ontem. A minha recusa em sair do elevador. A respiração cada vez mais lenta.
Como uma velha.
Ela a abrir a porta de casa. E eu a fazer o favor de entrar. Para receber as chaves. Talvez ainda as que mandei fazer para ti. Talvez as que viveram dentro dos teus bolsos. E a mesma cómoda onde as deixavas cair à entrada. O barulho que me anunciava a proximidade dos teus braços. Agora apenas a avisar da partida de uma miúda. A casa já vazia. Com a porta do quarto entreaberta a atirar-me à cara um colchão despido.
- É melhor conferir para ver que está cá tudo.
E eu a olhar para a miúda. A saber que não estava lá nada. O espaço dos teus fatos no roupeiro vazio. Eu a não resistir a abrir a porta do roupeiro. Como se pudesses ter voltado na noite. Na minha ausência. Um presente dentro de um saco.
A miúda a querer entregar-me uma caixa cheia de cartas por ler. O teu nome nas cartas. Com pressa para me devolver a casa. Sem perceber o meu olhar decepcionado para o roupeiro. Para o colchão despido. Para a vista das traseiras. Para o candeeiro apagado.
- Está tudo como quando cá entrei.
E não estava nada como quando saímos dali juntos. Para uma outra nossa casa. Onde os teus fatos ainda apodrecem. E ainda há cartas com o meu nome. Mas onde já não deixo chaves em cima da cómoda.
E eu a dizer que sim à miúda. Que estivesse tranquila. Que só não sabia o que haveria de fazer agora com aquela casa. Com os meus metros quadrados de passado devoluto. O meu corpo a deixar-se cair em cima do banco da entrada. Ou da tua saída. A mesma mão indecisa entre afastar a caixa das cartas ou as lágrimas da cara. Que haveria de tratar disso depois. E a miúda, cautelosa, com a vergonha de quem ouve uma conversa íntima de terceiros.
- Podemos descer, então?
E eu a dizer-lhe que sim, que estava pronta para ir. Mas a permanecer na imobilidade absoluta. Dobrada sob o peso excessivo do meu casaco de viúva. As costas da mão a afagar uma parede fria. As tuas costas nessa parede. Como na noite em que me despedi de ti.
E depois, eu própria a querer acabar com aquilo rapidamente. A sacudir as mãos. A trancar a casa vazia. Com as chaves dela. As tuas chaves. A virar as costas aos restos mortais da nossa existência. A fingir procurar coisas dentro da mala. A evitar encontrar-me no espelho do elevador. A esquecer-me da miúda. A descer para uma rua cheia de árvores nuas, carros e pessoas com sacos. E presentes.
A trancar a dor da tua fingida ausência.
tenho essa casa na cabeça.
ResponderEliminarquando penso em ti, não vais acreditar, ainda te penso nessa casa. na bagunça que reinava no teu quarto. desculpa querida, mas és um pouco bagunceira. uma das tuas piores coisas é a toalha de banho molhada - que fica em qualquer canto.
era o perfume de tabaco e o tabaco perfumado do teu perfume.
lembro-me da cozinha (!), só para inglês ver.
a casa de banho. branca, certo? lembro o manancial de frascos ainda a um quarto de produto, porque se comprou já outro e se abandonou o primeiro.
um bocadinho de fond de teint em tudo.
a marquise: quarto de vestir da outra boneca.
era um cubo de rubik.
podíamos fazer rodar os compartimentos à volta do hall de entrada e, com isso, só lhes mudávamos a cor - a cor que é diferente se lhe dás ou não dás sol.
o elevador que não tinha números mas letras.
ri-me muito nessa casa.
e gosto tanto de ti.
Frascos a um quarto do produto continua a ser a minha imagem de marca. :). Love U 2.
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