quinta-feira, 29 de março de 2012
sábado, 24 de março de 2012
dias
Mas há outros dias em que o sol empresta a este sítio aquelas cores que não existem em mais lugar nenhum do mundo. E as cascatas têm água e os patos vêm-nos morder as mãos. E uma garça ignora-nos. E miúdos deitam ao mar arcas frigoríficas para dentro delas navegar. E alguém nos oferece um pão e vamos para casa comê-lo com queijo.
E eu consigo entender a história que se aqui se conta dos homens que regressam para morrer em frente ao mar.
terça-feira, 20 de março de 2012
importante é que nunca nos faltem as camélias
sexta-feira, 16 de março de 2012
sábado, 10 de março de 2012
quinta-feira, 8 de março de 2012
Não é um exílio, é um lar
Descobri que não tenho o menor interesse em instalar-me dentro da realidade. Aliás, nem sequer tenho interesse em passar por lá de férias.
E no regresso, constato que a solidão é uma módica renda que não paga o privilégio da casa na árvore.
terça-feira, 6 de março de 2012
Hinnerk
Gonçalo M. Tavares, in Jerusalém
nine eleven?
segunda-feira, 5 de março de 2012
Dia indigno
Ser digno é obter merecimento ético por ações pautadas na justiça, honradez e na honestidade.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dignidade
A dignidade é uma coisa muito linda que não se vende nas lojas de marca, mas pode-se fabricar em casa com tempo, sabedoria e paciência. Existe dentro daqueles que sacrificam a vida inteira para lutar por aquilo em que acreditam; existe dentro daqueles que optam por sofrer em silêncio para manter a reserva; e existe, por exemplo, dentro de mim, todos os dias em que consigo não o mandar para a grandessíssima puta que o pariu.
Como qualquer bem escasso, deve ser utilizada com moderação.
domingo, 4 de março de 2012
Os glamourosos domingos de Cuca
Burilei um plano contra o enlouquecimento do qual faz parte a actividade física.
Só a insistente obsessão pelo cumprimento dos meus próprios planos – e também um estranho cheiro a queimado que bem podia significar que a sala tivesse ardido durante a noite – me fez levantar da cama hoje de manhã.
A intenção de correr na praia foi imediatamente anulada por uma inconveniente maré que engoliu o areal com o exclusivo intuito de me prejudicar. O plano subsidiário de tomar o pequeno-almoço em frente ao mar foi imediatamente destruído pelo facto de o dono do único café que reúne tais condições não ter nascido com a minha persistência no combate ao enlouquecimento e não se ter conseguido levantar da cama.
Desde que aqui cheguei já vários perderam o juízo. E constato com tristeza que é entre a malta da restauração que a depressão tem feito o maior número de vítimas, o que contribuiu para diminuir a minha qualidade de vida e aumentar proporcionalmente as minhas próprias dificuldades em manter a sanidade mental.
Na falta de alternativas, deprimi-me em frente a um porto onde duas ou três famílias ditas normais saiam com as suas embarcações de recreio para um dia de domingo. Depois fui-me deprimir de encontro a uma montanha, não sem antes ter deprimido amarguradamente atrás de umas lentas vacas que faziam o seu caminho na direcção de um novo pasto.
A ideia de as vacas terem uma vida mais animada do que a minha já que, pelo menos, a cada semana mudam-nas de sítio, quase me provocou um ataque de choro. Mas aqui, entre muitas outras coisas que me são proibidas, conta-se esse último reduto de liberdade humana que é apoiar a cabeça na palma da mão e chorar muito.
No final do dia a maré devolveu-me a praia.
Mas a promessa do novo dia estava transformada no cumprimento de outro dia requentado.
sábado, 3 de março de 2012
Medusa não se chama Medusa na vida real
ainda bem que veio a chuva e veio a chuva e choveu todo o dia, choveu por dentro e por fora das nuvens, um fenómeno rico, estupendo. é nestes dias em que chove assim que se enchem as jazidas de prata - toda a gente sabe que a prata chove do céu.
houve tempo para arrumar os livros lidos há muito mas que vão ficando. tenho três mesas de cabeceira, durmo numa trincheira de coisas.
houve tempo para escolher flores e para a extravagância démodé de levar um lenço a proteger os cabelos da chuva. que caiu o dia todo e todo o dia.
por causa de toda essa chuva os meus olhos deixaram o verde e castanho da enfermidade estética de que padecem e fecharam-se num cinza chumbo. o dia todo.
houve tempo para ir buscar mais uma garrafa do vinho que ando a beber com a devoção de quem descobriu um santinho novo - isto já não me acontecia com um Douro desde 2008, ano também bissexto, durante cujo Inverno bebi o Juliana até que desapareceu. gosto de pensar que o bebi todo, o que é ridículo se confessar que devo ter bebido menos do que uma dúzia de garrafas.
mais uma que fui buscar à chuva, de lenço à volta do cabelo e já de flores no braço. o sábado é dia de mercado e é dia de comprar flores, mas toda a gente sabe isso.
já não chovia há muito.
a chuva abranda o girar do meu mundo porque acho que não estou a perder nada em ficar mais meia hora na cama a ler os jornais com a barriga a gritar pelo pequeno-almoço. porque acho que não estou a perder nada quando falto às duas inaugurações de dois quase-amigos na Miguel Bombarda. porque acho que não estou a perder nada se colocar ordem na caixa dos meus colares. porque acho que não estou a perder nada.
deu tempo para fazer os dois telefonemas que a semana não deixou. deu tempo para dar pêsames que foram a tempo porque ainda não tinha tido tempo de perceber o que se passara. e ainda nos deu para rir e lamentar as distâncias. e de receber um convite numa voz vinda do fundo da sala do outro lado do telefone. e de dizer que sim, que no Verão nos vemos. e deu tempo para falar de todos e mandar beijos e beijos a todos e de pedir macarons coloridos (dos de Paris).
rasguei algum papel. encontrei um brinco que tinha perdido na mala. estive a rabiscar.
consegui abrir o Carm com jeito e lambi os dedos do naco do fígado de ganso quando as tostas acabaram. deu tempo de não ter que fazer o jantar, mas de ir fazendo o jantar.
o chão da minha sala é um tapete verde rodeado de pedra branca. onde existem, desmaiados, pés de copos de vinho de outras noites. e ao contrário do que possam pensar, por aquilo que sou, isso não me dói. poucos me conhecem até jantarem comigo, em casa, sem toalha na mesa que veio da casa de jantar da minha avó Carolina. que cheira a cera de abelhas e também é manchada de pés de copos de Douro.
por mais que me movimente estou sempre no mesmo lugar. sou uma árvore plantada dentro de mim.
agora chove menos. ou melhor, chove muito mas chove muito miúdo. chove em vapor, chove em tule.
todas as férias deviam começar com um dia de chuva assim.
Reserva mental
Não sabia que era assim, morreres-me
O sari indiano que já nunca me verás vestir. O riso trocista de um verso torto que não terei de esconder. Aquela viagem de oito horas que perdeu o sentido. Os números que sobram no telemóvel. O skype feito de um único número que já não tocará. Uma camisola com um buraco na gola.
Prometeram-me que leria avidamente conversas gravadas, reveria vídeos teus a dizer coisas, procuraria sentidos em palavras desviadas e, numa tarde de chuva, num desses dias de absolutamente nada, entre o filme das dezoito e um chá de frutos silvestres, acabaria por me desfazer em ranho e água salgada.
Mas a prometida catarse não chegou nunca.
Na falta de ter onde te chorar não aprendo a habituar-me à tua morte. E ela em vez de desaparecer senta-se nas esquinas das portas e surpreende-me indisciplinada nos momentos inoportunos.
Hoje olhei para ti naquelas fotografias da revista e não sei como dizer isto mas vi-te demasiado vivo para quem já morreu. Esse tique que me desconhecia de torcer os lábios para morder a boca. E acho, acho sempre, acho todos os dias, que é apenas meu, esse “coração despedaçado rasgando novos arquipélagos”.
Amizade carnívora
quinta-feira, 1 de março de 2012
1922 - 2012
Foste embora num dia que não existe. Só para nos impedir de recordar o teu adeus em data certa.
Até sempre avózinha.