sexta-feira, 30 de abril de 2010


Aniversário (a-ni-ver-sá-rio)
adj.
Diz-se da ocasião em que se completa um ou mais anos de um acontecimento: data aniversária.
S.m. O dia que, anualmente, corresponde ao de um acontecimento: o aniversário de uma vitória, de um nascimento.
Aniversário natalício, dia em que se completa mais um ano de vida.
(in Dicionário Web)


E assim, sem mais nem menos, acabo de concluir que este fim-de-semana estou de parabéns.

Só ainda não percebi é se neste tipo de aniversários especiais também devemos fazer uma festa e convidar os amigos.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Assassino



Odeio todos e cada um dos cigarros que fumaste.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Generation gap ou uma outra educação?


A emissão da televisão abria às sete da tarde. Até lá brincava-se na rua porque não havia nada para fazer dentro de casa. A alternativa era sentarmo-nos em frente a uma emissão encerrada à espera que começasse. E nós fazíamos mesmo isso. Este ritual fez parte da aprendizagem da espera.
Não havia telemóveis nem correio azul. Escreviam-se postais e cartas. A minha geração escreveu as últimas cartas de amor. Quatro dias para chegar às mãos do destinatário e, com sorte, outros quatro para receber uma resposta. Na falta de comunicações imediatas, as emoções eram vividas a prazo. Este ritual fez parte da aprendizagem da paciência.
Uma fotografia não ficava imediatamente disponível. Era preciso gastar o rolo porque os rolos ainda eram caros. Entregá-lo. Ficar à espera da revelação. Às vezes, o rosto daquela pessoa que conhecemos na praia e que nunca mais na vida voltaríamos ver, ficava para sempre conspurcado na nossa memória por um polegar escorregadio. Este ritual fez parte da aprendizagem da frustração.
O sexo não era imediato. Já não se esperava pelo casamento, mas ainda se esperava pelo amor. Vinha embrulhado na culpa. E tinha sempre que ser especial para afastar o pecado. Pelo menos em cada uma das primeiras vezes. Este ritual fez parte da aprendizagem do respeito próprio.
No tempo em que não havia bimbis, comiam-se guisados que demoravam uma tarde inteira a ser confeccionados e alimentos temperados de véspera. E comia-se sempre à mesa. Este ritual fez parte do apuramento dos sentidos.
A minha geração adaptou-se perfeitamente à instantaneidade dos novos dias. Como todos os outros, vê canais de televisão no computador do escritório às nove da manhã, sofre de taquicardia quando se esquece do telemóvel em casa, tira e apaga fotografias de forma compulsiva, aderiu ao sexo ocasional, é consumidora do pronto-a-comer.
Mas continua a desligar a televisão na hora das conversas importantes, recusa-se a discutir assuntos sérios por telemóvel, tem a nostalgia das cartas que já não recebe, percebe que há rostos que se perdem no caminho das memórias, exige que o sexo ocasional seja especial, sabe que os bons vinhos tintos têm que repousar no copo.
Desenvolveu a paciência da espera, tem tolerância à frustração, cultiva um estranho sentido de auto-respeito, tem as papilas gustativas apuradas.
A minha geração tem uma relação diferente com o tempo.

O Rico da Família

José Pereira Martins. Tio Zeca. Já expliquei que, lá em casa, toda a gente tinha e tem cognomes. Único irmão germano da minha avó Carolina, aquela que tinha pobres, ele era “o rico da família”. Não que nos pudéssemos queixar, mas ele era o mais abonado. Comprava carros zero kilómetros. E a partir de determinada altura da sua vida, ainda bem cedo, não fazia nada. Ia a Espanha muitas vezes. Tinha quatro casas sendo duas na cidade do Porto, uma em Lisboa e outra numa praia qualquer. Isto era ser muito rico, acreditem.

Pudera…

O Tio Zeca casou com a Tia Margarida “da farmácia”, que era farmacêutica de anel de curso mesmo, o que representava, na altura como agora, uma sorte dos diabos. Porque a farmácia foi sempre, nas palavras da minha avó, “uma mina”.

A Tia Margarida morreu ainda nova, sofreu muito. Oficialmente, finou-se com “aquele mal” mas toda a gente sempre disse que morreu de desgosto. Porque o Tio Zeca não podia ver um par de meias pretas de risca que ia logo perpetrar as suas manigâncias de Don Juan. Dizem que era um dos homens mais bonitos do Porto nos seus anos áureos. Alto, bem constituído, cabelos castanhos claros e olhos verdes… um oásis de saúde no meio dos meias-lecas portuenses dos anos 50.

Viveu uma vida de sorte.

Até nisto: a Tia Margarida morreu nova. Tiveram 4 filhas. Todas já mulheres foram viver para Lisboa, onde encontraram amparo e uma verdadeira família em casa do Tio Aurélio, militar de carreira. Fugiram da vida voluptuosa do pai que acabou por casar, em “segundas núpcias”, com a Maria Margarida – que era sua amante, dizem, de longa data. A quem nunca chamámos Tia. Tinha os seios enormes, corpo de Barbie. Mulher independente, fez carreira nos quadros dos TLP. Desenrascava telefones à família quando o tempo de espera por uma linha nova era de 8 meses. O almoço foi no Hotel Infante Sagres. Há fotografias. De um chique difícil de reproduzir nos dias de hoje. Penso que só uma das filhas apareceu; a Branca, a Branquinha com quem a minha avó passava aos 40 minutos ao telefone. Chamadas 021 que o meu avô pagava sem piar.

Mas ele era o rico da família. Para além da galinha dos ovos de ouro que era a farmácia foi, de profissão, secretário judicial. Aprendemos todos a dizer que ganhou muito dinheiro “a tirar uns processos de baixo para cima de outros”. Depois de me tornar mais mundividente passei a achar isto uma injustiça com a Tia Margarida – afinal, sempre se devia ganhar mais dinheiro com os fármacos do que com a pequena corrupção que poderia praticar a gerir o pó destes ou daqueles autos…

Dava boas prendas. Coisas caras. E muitas. Não foi à toa que o meu tio que lhe sucedeu na alcunha o escolheu para padrinho de um dos filhos. É que o Tio Zeca e a Maria Margarida não tiveram filhos. E as filhas dele não queriam ouvir falar neles. Então, no crepúsculo das suas vidas de dândis, adoptaram essa outra família simpática e uma afilhada estudiosa.

Era o único irmão germano da minha avó Carolina. Os outros eram apenas da minha bisavó. Todos: a Tia Mimi, que sofria de amnésia e nos proporcionava espectáculos bizarros nas visitas que lhe fazíamos com a minha avó antes de ir aos seus pobres e de lanchar na Brasileira; a Tia Rosa, que destruiu o casamento da filha com quem viveu toda a vida; o Tio Aurélio, que já não conheci; a Tia Margarida, que morreu intoxicada pelo fumo num incêndio que lhe consumiu a casa por causa da mania de acender velas a Santo António; a minha avó Carolina e o Zeca, de quem vos falo. Não morreu muito velho mas partiu enquanto vigorava entre ele e a irmã um terceiro ou quarto corte de relações oficial.

Estavam zangados por uma tolice qualquer, como lhes era hábito.

Outros amores proibidos

Elegia Azul

Clara, como talvez tu antes da última esquina da noite,
uma imagem redonda colava-se aos meus dedos por entre
as folhas de papel que lentamente ardiam. Foram sempre
mais as páginas que juntei do que aquelas de que pude
separar-me, naquele T1 pequeno com vista para Monsanto
e para o teu corpo sempre azul.
Infelizmente, não fora capaz de preparar
o silêncio que sempre se segue a tudo o que
não somos, dirias tu, o rumor de instantes que nos apanha
na canga e nos sugere o vale sem luzes e a varanda grande.
Parado sei que isso é poesia, um sonho, pequenas alucinações
de primavera sem apelo no fundo destas veias e sei também
que continuas a existir e vais ser minha muitas vezes,
como eu quero ser teu intermitentemente em cada lua nossa.
Mas tu sabes como os astros nos pregam partidas ao telefone,
como em certos dias a pique para o sol embatem nas antenas,
e este ligeiro pesadelo é apenas o desconforto baço de saber
que há coisas demasiado belas para não serem tristes.
Rui Costa, in a Núvem Prateada das Pessoas Graves.

terça-feira, 27 de abril de 2010

mil desordens

::: Jeroen van Aeken, aka Hieronymus Bosch :::
O Juízo Final ::: pormenor do painel esquerdo "Paraíso"

Génese de uma história

Se me pedisses uma história, se me pedisses mesmo, se quisesses verdadeiramente que te escrevesse uma história, eu teria que perceber porquê.
Teria que mergulhar nos teus motivos e através do gosto que me ficasse na pele identificar com exactidão a parte emissora do pedido. O lado negro, o lado branco, o lado cinzento e provavelmente ainda um outro, cor-de-rosa, que suponho existir sem que alguma vez me tenha sido mostrado.
Depois de me inteirar da cor do dia, como numa ementa de uma tasca familiar, teria que olhar dentro dos teus olhos para neles ler os motivos pelos quais quererias que te escrevesse uma história.
O escrutínio nada teria a ver com qualquer necessidade de te inventar uma fábula da cor da tua persona do dia. A tua história, já existe. Será a mesma independentemente daquilo eu vir no dia em que me pedires que a escreva.
O problema, o único problema, enrolado no célebre pragmatismo da autora, é que ainda não inventaram cemitérios de histórias. E eu não sei o que se faz às histórias que escrevemos quando o destinatário já não as quer ouvir mais.
O drama das histórias que se inventam para ser contadas a uma única pessoa é que quando essa pessoa vai embora, ficam suspensas, a flutuar no limbo das coisas de ninguém.
Escrever-te uma história num mundo em que não há cemitérios em que se depositem as palavras que escorrem de nós, pode ter consequências eternas. Uma vez escrita a história, e se não se conseguirem endossar as palavras, elas ficam para sempre, ali, a perseguir-nos na lembrança de um dono que não o soube ser.
E, se quisesses mesmo que te escrevesse uma história, terias que me dizer que ela cabe dentro de ti.
Para que eu possa ter a certeza que, no dia em que te fores embora, me libertarás de todas as palavras que inventar e as levarás contigo...
…para o maravilhoso mundo das pessoas e da histórias que contámos um dia.

Hoje, como sempre, tenho dias...


Abro os tetrapack num dos cantos. Picotado ou não, é preciso é que o corte seja recto e regular, de forma a que não verta, não pingue, e o liquido não saia em jorros irregulares. À cautela, mais vale comprar dos que têm tampas.
Faço questão de manter a roupa assim a modos que dobrada, em cima das cadeiras. Mas só um dia, dois no máximo. E a suja no respectivo cesto.
As toalhas são penduradas no topo das portas dos quartos e casas de banho, que assim não fecham mas deixam a casa com um delicioso cheiro a lavado e a frescura.
À cama puxo sempre as orelhas. Bem puxadas. Antes de me deitar (há quem tenha a felicidade de a abandonar tarde na manhã, muito depois de eu já ter ouvido umas boas patranhas).
As revisões do carro são feitas nas datas previstas, mas no mecânico lá do bairro. Porque para além de terem o mérito de evitar gripar o motor, não contam para mais nada.
O telefone carrega-se e descarrega-se em função do que no dia der mais jeito. Desde que não seja novo.
A despensa tem sempre lâmpadas suplentes. Que sou sempre eu que troco. Há-as de tamanhos e formas variadas.
Tranco a porta de casa. Desde que a saída dure mais de duas horas ou o destino se encontre a mais de 30 km. A menos que a saída seja em familia, assim já não há quem venha atrás e deixe a porta no trinco. 5 minutos depois de eu zelosamente a ter trancado.
Leio um livro por dia. Ás vezes o mesmo cinco vezes na mesma semana. Sempre do principio para o fim. Sem aldrabar uma linha sequer. A censura não deixa.
Agora só tenho musica em suporte informático. E um programa bestial que organiza tudo por mim.
Um dia destes vou voltar a imprimir fotografias.
Deixei-me de encarar a vida como a agenda de um chefe de Estado ou como uma grande experiência quimica em que cada reacção condiciona a seguinte. Um micrograma a mais ou a menos, e é a ruina.
Como se diz por aí, "Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos".
Se o dia é alegre, entusiasmante, inesperado e surpreendente aproveitemos. Amanhã podem-nos chamar ao caos e à pasmaceira do costume.

P.S. Acondiciono os alimentos por categorias no frigorifico e arrumo os roupeiros por tipos de peça e por cores. Sempre com os ganchos dos cabides virados para o interior.

Amores Proibidos

The wounds on your hand never seem to heal
I thought all I needed was to believe

Here am I, a lifetime away from you
The blood of Christ or the beat of my heart
My love wears forbidden colours
My life believes

Senseless years thunder by
Millions are willing to give their lives for you
Does nothing live on ?

Learning to cope with feelings aroused in me
My hands in the soil, buried inside myself
My love wears forbidden colours
My life believes in you once again

I’ll go walking in circles
While doubting the very ground beneath me
Trying to show unquestioning faith in everything
Here am I, a lifetime away from you ?
The blood of Christ, or a change of heart

My love wears forbidden colours
My life believes
My love wears forbidden colours
My life believes in you once again

Forbidden Colours, David Sylvian



Provavelmente nunca *** Adoro-te Cuca.



Talvez um dia eu deixe de me importar se o leite aparece aberto fora do picotado. E passe a deixar a roupa pelo chão. E me esqueça de pendurar a toalha molhada do banho. E consiga deitar-me numa cama por fazer. E não fique muito furiosa com o facto de levar o meu carro às revisões nas datas previstas nos livrinhos e isso não valer nada na altura da venda. E me deixe de dar uma aperto na garganta sempre que não carrego a bateria do telemóvel por inteiro. E não me importe de viver com a lâmpada da despensa fundida por semanas. E me esqueça de trancar as portas de casa. E consiga ler mais que um livro de cada vez. E os leia do fim para o início. Talvez um dia eu tenha um i-pod todo desorganizado e as minhas fotografias espalhadas por gavetas pela casa toda.
Talvez um dia eu aprenda pensar a minha vida como se vive uma aventura exótica. E me esqueça de a abrir sempre pelo sítio certo. E a torná-la descomprometida, leve, despreocupada e insegura.
Morar em mil sítios.
E passe a viver do fim para o princípio.
…Só que esse dia ainda não é hoje.

sábado, 24 de abril de 2010

Talvez um dia...


Talvez um dia eu aprenda a abrir os pacotes do leite pelo sítio certo. E passe a dobrar a roupa sobre as cadeiras. E me lembre de pendurar a toalha molhada do banho. E me decida a começar a fazer a cama. E leve o meu carro às revisões nas datas previstas nos livrinhos. E espere que a bateria do telefone descarregue antes de a voltar carregar. E compre lâmpadas suplentes para substituir as que se fundem. E me lembre de trancar todas as portas de casa. E consiga ler um livro de cada vez. E o leia do início para o fim. Talvez um dia eu organize as minhas músicas por listas e as minhas fotografias por anos.
Talvez um dia eu aprenda pensar a minha vida como se arruma uma casa. E consiga abri-la pelo sítio certo. E a torná-la organizada, funcional, previdente e segura.
Um sítio onde se consiga morar.
E deixe de a viver do fim para o princípio.
…Só que esse dia ainda não é hoje.

Esta semana, lá no meu trabalho (Quando a realidade supera a ficção) IV




- Nesse dia e a essa hora o arguido estava comigo. Não pode ter sido ele porque estava comigo…
- hum…
- Lembro-me perfeitamente, foi numa quinta-feira, no dia 12, começámos a almoçar à uma da tarde, comemos pataniscas com arroz de feijão no restaurante Dom qualquer coisa em Odivelas. E depois acabámos de almoçar e bebemos um bagaço e fomos jogar snooker com o nosso amigo Manuel que também está ali fora para testemunhar o mesmo.
- hum…
- Depois estivemos a jogar snooker até às cinco da tarde e fomos lanchar ao café, eu comi uma sandes de presunto e o arguido uma sandes de fiambre e bebemos umas cervejas e eu até estava muito chateado por causa de um problema com a minha filha e estivemos a falar sobre isso. E depois ele perguntou-me a que horas era o próximo autocarro e eu disse-lhe que era às sete e um quarto. E a essa hora ele lá foi. Por isso sei que era às sete e um quarto. No dia 12. Quinta-feira. Estivemos juntos. Não pode ter sido ele.
- Muito bem! E isso foi em que ano?
- No ano passado, claro! 12!!.
- Hum…está explicado, então. É que os factos são de 2007.
- er….quer dizer…isso em que ano foi já não sei não é? Não podem querer que saiba tudo!

Grandes Filósofos

"A census taker once tried to test me. I ate his liver with some fava beans and a nice Chianti."

Hannibal Lecter, in The silence of the lambs

sexta-feira, 23 de abril de 2010

quinta-feira, 22 de abril de 2010

A propósito do circo




Tudo começou um dia, ia eu pelos meus seis anos, já linda, maravilhosa e com grande sentido de estilo, quando chegou um circo à minha cidade natal.
Até então, a minha única referência em matéria circense era mesmo o circo do Monte Carlo, religiosamente exibido na televisão, no dia de Natal.
Não esperei qualidade inferior.
Depois de duas tardes inteiras com uma carrinha azul equipada com um poderoso altifalante a anunciar as maravilhas exóticas do Circo Ribeiro, lá chegou a noite da estreia.
Também a minha referência em matéria de assistência ao circo era a família Grimaldi.
Mais uma vez, não esperei qualidade inferior.
Exigi o meu vestido de veludo azul-escuro, as minhas melhores meias de renda e uma fita prateada no cabelo.
O circo Ribeiro tinha uma tenda remendada e cheia de nódoas, de tamanho inferior a algumas que já tinha visto em exposição nas feiras de campismo de Leiria. Ainda assim, não desconfiei de nada. Sabia que o negócio desta gente é o ilusionismo e naqueles cem metros quadrados poderia caber o tal exótico maravilhoso mundo anunciado pela carrinha azul.
Poderia...
Haviam trinta cadeiras de plástico umas em cima das outras, um homem gordo com um fato coçado a servir de dono do circo, umas colunas de som manhosas, lâmpadas de várias cores e uma minúscula arena onde desfilariam as maravilhas.
A coisa começou miseravelmente mal com uma morena deslavada, mascarada de chinesa, agarrada a um varão que, sei-o hoje, não será muito diferente do das casas de meninas. Foi anunciada como a Ling, vinda directamente da China.
E meia hora depois, logo a seguir à loura vestida de cor-de-rosa que fazia um número com uns caniches pulguentos a guinchar por um banho, a mesma chinesa deslavada apareceu mascarada de russa e foi-me apresentada como a Nikita, grande e poderosa domadora de feras.
Não vou comentar o facto de as feras poderosamente domadas serem dois doberman famintos num estado de espírito partilhado com os caniches. O que foi demais para mim, foi o facto de a russa Nikita não se ter dado ao trabalho nem de apagar o risco dos olhos de quando era chinesa, nem de lavar as purpurinas douradas da cara.
Como nunca gostei de me sentir enganada, expliquei em pânico à minha mãe que estávamos a ser ludibriados por “aquelas pessoas”.
A minha mãe estava claramente perdida para a magia do circo.
- Raio da miúda que é esquisita que se farta e que até do circo diz mal e porque é que nos havia de calhar uma criança assim e põe-se logo a reparar em tudo e nunca mas nunca está contente com nada e os outros todos entusiasmados e esta sempre à espera de mais e melhor e a quem é que ela sai e vê mas é o espectáculo e cala-te.
E eu vi.
Depois da falsa Nikita regressou a loura dos caniches, previsivelmente apresentada como a Lola vinda de Espanha, a servir de assistente a um mágico com ar infeliz.
Não houve pombas sacadas de chapéus, mas haviam uns lenços vermelhos que a loura exibia com ar triunfante.
Dez minutos depois, o mágico tinha despido a capa e estava agarrado a umas argolas de ginasta. Sem a capa, perdeu a nacionalidade argentina e foi rebaptizado como Herinch.
Por fim, tudo acabou com o apresentador gordo no seu natural papel de palhaço pobre.
Não houve cachet para o fato de palhaço rico e os outros membros da família já estavam demasiado ocupados a remendar os trapos para a noite seguinte.
Enquanto o público explodia em palmas eu iniciava um silencioso processo de ódio pelas maravilhas exóticas do circo e respectiva mágica capacidade de me decepcionar.
Com o Circo Ribeiro percebi duas coisas:
Pode-se nascer na santa terrinha com o Mónaco dentro da alma.
Tudo o que não tem a capacidade de nos iludir só nos desilude.

Carta Aberta


Exm.º Senhor Joaquim Pereira Chen da Silva:

Desde que chegou à cidade onde eu resido, há dois dias atrás, tenho estado a suportar a música roufenha da sua tenda durante o horário de expediente e não estou a gostar. Mais: já vai estando algum calor e os seus animais exalam aquele aroma de animal que me tem feito evitar passar à frente do vosso acampamento, apesar de o fazer de carro e ser o caminho mais curto do trabalho para casa.

Ou seja, serve a presente para lhe dizer que V. Ex.ª está a incomodar-me.

Aproveito a ocasião para lhe dirigir algumas palavras, que poderia dirigir ao Sr. Cardinali se a tenda em causa fosse dele.

Dono de circo. Aqui reside o primeiro problema: Pode ser-se dono de um circo? O que é que isso inclui, a tenda? As roulottes? Os animais? Os “artistas”!?

Como já pôde perceber, odeio circos. Vocês não prestam para rigorosamente nada. Quando o Mundo se espantava com pulgas amestradas ainda tinham o vosso lugarzeco no mundo do showbiz. Agora, quando qualquer pelintra pode ir fazer um safari, para quê exibir as vossas feras cheias de peladas e sarna, todas drogadas para não engolirem o domador de forma a colmatar a carência alimentar que as suas costelas pronunciadas denunciam?

Desculpe lá, mas ainda há alguém neste Mundo que acredite que o seu circo de tenda remendada é um circo “internacional”ou “galáctico”!? Por favor... há muito que deixaram de ser “o maior espectáculo do Mundo”... a não ser em degradação e piolhice. Não aprecio saltimbancos e acho o nomadismo uma parvoeira. Não se cansa de passar a vida a fazer as suas necessidades num balde? Depois morre num incêndio dum parque de campismo fajuto por fazer da roulotte habitação permanente aquecida a radiador a óleo... Não há paciência.

Não se defenda com a tradição do Circo do Mónaco – no Mónaco, o único circo que ainda tem público é o da família Grimaldi que proporciona espectáculos dantescos nas revistas côr-de-rosa europeias.

Encerre de uma vez por todas o seu barraco itinerante.

Deixe-se dessa vida. Desapareça da minha cidade. Senão, arrisca-se a fazer parte duma lista que eu cá sei...

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Pronto....está bem!




E eis se não quando a expressão "casa Louis Vuitton" adquire um novo sentido

Almoço no Parque





Esperas por mim em frente da porta do restaurante. Mesmo que esteja a chover ou que faça frio, tu não vais entrar no restaurante enquanto eu não chegar. Vais ser aquele ponto vertical como uma árvore que se humaniza com a proximidade. Mesmo que esteja sol tu vais estar imóvel, à porta, à minha espera.
Vais fazer um gesto na direcção do meu rosto, desviar os teus lábios no último segundo, assentá-los no vazio da minha cara voltada. Tocar os meus cabelos. Talvez. A memória do corpo. Talvez.
Hás-de me indicar a entrada como se eu fosse incapaz de a descobrir sozinha. Perguntar ao empregado de smoking usado onde nos podemos sentar na sala vazia. Hás-de escolher sempre a mesma mesa.
Cinco minutos depois os nossos corpos reconhecem-se como uma cadela mãe separada do cachorro filho à nascença. Nós estaremos muito longe desse processo físico.
Tens o mesmo olhar de censura perante o meu pão com manteiga. Tenho o mesmo olhar de desdém perante os teus novos botões de punho.
Não teremos nada para dizer um ao outro, porque já dissemos todas as palavras do mundo e elas eram tão falsas como o pôr-do-sol amarelo na parede de uma agência de viagens, por trás de uma secretária vazia.
Almoçamos num silêncio que já nem sequer é confortável.
Ou melhor, tu almoças e eu espalho a comida no prato.
E foi sempre assim entre nós.
Vais pedir a conta quando eu estiver exactamente a meio do meu café. Já estará paga quando eu o terminar.
Vais esperar que me levante para te levantares depois de mim. À saída tocas-me com uma mão nas costas. Quando eu não puder ver a tua expressão de nostalgia reprimida. No instante em que me voltar para ti já terás retomado o controlo absoluto dos teus músculos faciais, da tua existência e da nossa história. Despedes-te com meio abraço desajeitado e um beijo na testa. Serás um ponto vertical como uma árvore que se desumaniza daqui a cinco minutos. Ao longe.
Insistimos nesta tortura social porque é menos selvática que o cilício e tem o mesmo efeito purificador.
Somos tão civilizadamente desconhecidos como donos de dois cães que os passeiam no parque para que troquem memórias de cheiros.
Entretanto, tu almoçaste e eu espalhei a comida no prato.

terça-feira, 20 de abril de 2010

24 com uma 38


Quem ama também odeia, como quem ri também chora. Não sou boazinha, simplesmente não tenho licença de porte de arma, nem arma sem licença.

Por inúmeras vezes já senti em mim, explicitamente, o desejo de matar. Tenho a certeza que, em determinadas situações, se tivesse uma arma, teria feito uso da mesma. O desejo de matar manifesta-se em mim num jorro de sangue anormal à cabeça, que me estonteia e tolda parcialmente a visão durante uns segundos. É nesses segundos que aperto o gatilho. Nada menos que um calibre 38. Com um estampido de deixar os ouvidos a zunir. Nem que seja para atirar aos pneus do idiota que resolve passar pela direita na autoestrada só porque ao sair da portagem o meu carro não atinge os 100 kms/hora em 4,9 segundos...

Para apaziguar a onda de ódio que me invade nessas situações e em muitas outras refugio-me na ideia de que este mundo estúpido vai sofrer um holocausto qualquer do tipo nuclear e os sobreviventes, de entre os quais eu obviamente me conto, irão viver os seus últimos dias acompanhados pelas baratas, sem lei nem dó. Dada a minha fragilidade física (antípoda do meu gigantismo de ego e da minha fortaleza de espírito) penso que apenas durarei cerca de 24 horas nessa nova ordem mundial. Mas essas 24 horas irei vivê-las num estado de plena violência, no aturdimento permanente que o ódio proporciona a quem nada mais tem a perder. Essas 24 horas compõem aquilo a que apelido de

O Dia Mad Max.

Finalmente terei porte de arma, sem licença.

E muita munição, porque do exercício em causa faz parte a elaboração mental de uma lista daqueles que irei aniquilar pelo fogo, nesse dia.

Tantos são os nomes. Desde o palhaço que ultrapassa pela direita, ao urologista do meu pai. Desde o gajo que é um bluff na vida e safa-se, ao vizinho que deita as beatas no chão da garagem do prédio ou qualquer vizinho que se apanhe a jeito (porque os vizinhos são como os nazis... não os há bons...). Desde a conhecida que se derrama cada vez que vê o meu marido ao corno do marido dela. Desde o puto que bateu no meu irmão no 6.º ano ao dono da padaria que no meio de 8 pães coloca 1 de ontem. Se aparecer, a Celine Dion também leva, assim como o André Rieu.

Espero poder gozar esse dia apocalíptico como plena serva do meu mau feitio; só no seu final poderei repousar em paz.


“Na verdade, as nações se enfureceram; chegou, porém, a tua ira, e o tempo determinado para serem julgados os mortos, para se dar o galardão aos teus servos, os profetas, aos santos e aos que temem o teu nome, tanto aos pequenos como aos grandes, e para destruíres os que destroem a terra.” Apocalipse, 11:28

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Hotel Room



A minha pintura preferida de Edward Hopper.
Ás vezes sinto-me esta mulher que se prepara para partir. No momento de abandonar o quarto sente-se que, de alguma forma, foi ela que foi abandonada por qualquer coisa. E por mais que olhe para este quadro nunca consigo entender a história que a trouxe a este quarto de hotel.
A alma trágica que há em mim faz-me acreditar que esta mulher parte de um encontro que não chegou a acontecer.

domingo, 18 de abril de 2010

O valor das coisas ou de como o poeta estava errado




Fernando Pessoa disse que o valor das coisas não está no tempo que elas duram mas na intensidade com que acontecem.
Fernando Pessoa existiu nos dias da lentidão, em que uma viagem do Porto a Lisboa ainda não demorava duas horas e um quarto, os quotidianos não se absorviam no ápice da pressa, as mensagens não chegavam ao destinatário em menos de trinta segundos, o verniz das unhas não estalava em dois dias.
O contexto do poeta na definição do tempo que não dura era o de seis meses seguidos, uma estação inteira ou, no mínimo, a gestação de um rato.
Fora desse tempo de dias marcados por relógios de corda, a maioria das vezes parados nas paredes que lhes serviam de sustentáculo, o tempo que as coisas duram condiciona o seu valor.
Numa equação em que um dos termos é o custo e o outro o benefício, até a longevidade de uma mera sensação é condicionante da memória da sua intensidade.

Roll the dice

if you’re going to try, go all the
way.
otherwise, don’t even start.
if you’re going to try, go all the
way.
this could mean losing girlfriends,
wives, relatives, jobs and
maybe your mind.
go all the way.
it could mean not eating for 3 or 4 days.
it could mean freezing on a
park bench.
it could mean jail,
it could mean derision,
mockery,
isolation.
isolation is the gift,
all the others are a test of your
endurance, of
how much you really want to
do it.
and you’ll do it
despite rejection and the worst odds
and it will be better than
anything else
you can imagine.
if you’re going to try,
go all the way.
there is no other feeling like
that.
you will be alone with the gods
and the nights will flame with
fire.
do it, do it, do it.
do it.
all the way
all the way.
you will ride life straight to
perfect laughter, its
the only good fight
there is.

Charles Bukowski

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Toda a verdade sobre os post-trinta



Um dia tem-se vinte anos e anda-se por aí a sonhar com a independência e com tailleurs com ar sério e de repente passou-se dos trinta anos e nós estivemos demasiado ocupadas a viver os últimos dez para nos darmos conta disso.
Aqui ficam os sintomas para que as almas mais distraídas não sejam apanhadas desprevenidas a tentar equilibrar-se sobre duas pernas dormentes:
Se subitamente todos a começarem a tratar por minha senhora, isso não significa que todos tenham ficado mais bem-educados.
Se nos jantares com amigas mais novas lhe estenderem a si a carta e lhe derem o vinho a provar, isso não significa que seja a mais bem vestida.
Se o homem da frente começar a olhar muito para as suas mãos é mais provável que esteja à procura da aliança do que a admirar a sua manicure francesa.
Se estiver à procura de umas meias porno-chic e depois de avisar a empregada que procura umas meias especiais lhe perguntarem se pretende uns collants de descanso, isso não significa que ela pense que é hospedeira de bordo.
Se de repente o seu metabolismo deixar de conseguir absorver quantidades industriais de haagen dazs chese cake, petit gateau e bolinhos de queijo, pode não ser uma conspiração organizada pela indústria de medicamentos de emagrecimento.
Se o puto de vinte anos com ar cool passar por si e não lhe ligar nenhuma, pode-se dar o caso de ele não ser necessariamente homossexual.
Se de repente começar a receber mais convites com fotografias de crianças e cegonhas com anjinhos do que motivos florais gravados em cima do símbolo das alianças, isso não significa que Portugal esteja a viver um Baby boom em versão gravidez precoce.
Se a empregada da fashion clinic a olhar de lado enquanto você se decide por aquela mini-mini saia impossível, saiba que pode-se dar o caso de a senhora não ser um empedernido e conservador membro da Opus.
Se der por si a erguer o sobrolho com ar reprovador todas as vezes que um homem não a deixar passar a frente ou não lhe segurar a porta, pode-se dar o caso de não ser apenas porque está habituada a pessoas civilizadas.
Se conseguir beber dois terços de uma garrafa de vinho tinto e levantar-se da mesa com o mesmo ar natural com que se sentou, é possível que tenha tido o tempo suficiente para habituar o seu organismo ao álcool.
Se der conta que já leu oitenta da lista dos cem melhores livros de sempre, considere a possibilidade de tal não se dever apenas ao facto de ler depressa.
Se souber de cor a letra do sobe, sobe, balão sobe, isso não significa necessariamente que tenha sido uma criança prodígio daquelas que decoram letras de música com apenas um ano de idade.
Se quando alguém lhe falar num fim de semana de campismo concluir que lhe dava mais jeito partir os dois pés do que ir agora enfiar-se num forno de lona a servir de jantar de formigas tenha presente que pode ser mais do que um súbito trauma anti-escuteiros.

Uma mulher sabe que fez uma má escolha quando...


Sai orgulhosamente para a rua com o seu fantástico e exótico vestido de linho comprado num igualmente fantástico e exótico país asiático e à saída do BPI ouve uma senhora queixar-se ao filho adolescente:
- O raio da mulher da camisa de dormir passou-me à frente na fila da caixa!!!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

HaPpInEsS






"A felicidade é uma obra-prima: o menor erro falseia-a, a menor hesitação altera-a, a menor falta de delicadeza desfeia-a, a menor palermice embrutece-a."

Marguerite Yourcener, in Memórias de Adriano








Apesar da chuva irritante, das tragédias dos outros, da falta de tempo, da dor no pescoço, do frigorífico vazio...Um dia isento de erros, hesitações, indelicadezas e palermices.


E, por hoje, sou uma mulher feliz.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

terça-feira, 13 de abril de 2010

Manual de instruções para correr com o monstro da nostalgia


1. Comprar um bilhete de avião para uma ilha grega e partir rumo ao sol.
Na impossibilidade desta seguir todas as outras cumulativamente.
2. Pousar em nu integral para o espelho de corpo inteiro e dizer alto: Eu não tenho gorduras inestéticas no meu corpo.
3. Reparar nas empregadas de limpeza lá dos nossos tascos profissionais e dizer alto: Eu não tenho que limpar o lixo que produzo.
4. Ver as fotografias do nosso facebook e dizer alto: pelo menos um quarto destas pessoas gosta mesmo de mim e três até me conhecem.
5. Lembrar da malta que no liceu tinha um ar cool e dizer alto: eu não me transformei em toxicopendente (os lexotans agora não interessam para nada) e também não trabalho no Pingo Doce.
6. Tirar o próximo Sábado inteirinho para nós e desperdiçar o tempo a fazer coisas muito estúpidas.
7. Comprar uma garrafa de Moet & Chandon, encher dez copos de cristal com ele e bebe-los enquanto se repete alto: Há pessoas que não sabem que isto existe.
8. Telefonar a um daqueles amigos que nos suportam tudo, criar uma discussão estúpida, mandá-lo à merda e desligar-lhe o telefone na cara.
9. Elaborar um plano qualquer. Um plano é uma espécie de antídoto contra o monstro da nostalgia. Na falta de coragem para planear a vida, planeiam-se as próximas férias de verão.
10. Fechar a janela por onde entrou a nostalgia.
Caso não seja possível seguir a primeira instrução, e se as outras nove, de forma cumulativa, não produzirem os resultados esperados, actuar da seguinte forma:
Ainda sob o efeito dos dez copos de champagne, dirija-se a uma qualquer caixa de ferramentas, procure um martelo e empregue toda a sua força na direcção do dedo grande do pé.
Verá como a dor física e todo o subsequente problema prático de gesso e muletas se encarregarão de mandar o monstro da nostalgia para a p*** que o pariu.

The Fucking Nostalgia

The fucking nostalgia é um monstro gordurento e oleoso que se cola aos cabelos e lhes dá um ar pouco lavado.
Habita em locais pantanosos, manifesta-se com maior intensidade em dias de chuva, em especial quando se seguem a fins-de-semana solarentos, e ataca quando menos se espera.
O monstro tem uma especial preferência por pessoas realizadas porque são as suas vítimas mais preciosas e raras. Para as caçar, sai do seu pântano e esconde-se à espreita no final dos dias felizes, nos quartos recém abandonados por um dos amantes, no cume das montanhas onde chegam caminhantes, dentro das televisões que se ligam no final de mais um dia.
Às vezes o monstro consegue construir epidémicas teias através das quais espalha a sua gordura, deixando rastos de nódoas e um ligeiro odor a enguias mortas.
Mesmo que se tenha muito cuidado, as insidiosas manhas do monstro são incontornáveis. Como uma visita indesejada, instala-se com grande aparato, desfaz as malas dentro da nossa sala, espalha os seus pertences pela nossa vida e nunca se sabe quando pensa ir embora.
O fucking monstro da nostalgia começa por nos abraçar de uma forma tão leve que parece confortável. Mas depois de nos envolver, os seus braços iniciam uma contínua actividade de esmagamento que pode levar à sufocação.
É oficial: Esta semana, o monstro atacou as autoras deste blog.

Nostalgias


Esta noite uma insónia horrenda atirou-me para o passado fazendo-me carpir por tudo aquilo que não fiz.
Invadiu-me uma nostalgia a atirar para a agonia, intensificada pelo facto de serem quatro da manhã, de me ter deitado perto da uma com uma enxaqueca monstra e, por isso, não ter adormecido de imediato; e ainda por saber que o despertador iria implacavelmente fazer-me sair da cama às sete e um quarto da manhã.

Eu que deitei mão a tudo quanto foram oportunidades para desbravar mundos novos, que venho ao longo dos anos acumulando funções (profissionais, familiares, domésticas, sociais, artísticas, culturais e desportivas, ecc) aparentemente inconciliáveis, com uma carga horária sobrehumana, as mais das vezes com kilometros e kilometros pelo meio;
Eu que fiz todas as minhas escolhas de forma livre e consciente, e alcancei todas as metas a que me propus;
Eu que tenho um marido que me adora, que eu amo, e com quem venho construindo uma família linda, deu-me para as nostalgias do que não fiz.
Dos caminhos que não percorri. (Sou aquela que gulosamente escolhe o prato mais saboroso do menú e depois fica a cobiçar a comida do vizinho.)
Não fosse eu a verdadeira idealista, eterna insatisfeita, sedenta de vida e acontecimentos.

Assim não fosse e não teria, há cerca de dois anos, virado a vida de pernas para o ar, voltado à escola e ao estupor das avaliações, e embarcado num projecto de vida diferente.
Aquele que há 18 anos todos me adivinhavam e que eu dizia não querer.

Deu-me para lamentar as aventuras que não vivi, porque aquelas que irei recordar pela vida fora, assim me permita o alzheimer, essas não contam. Já foram.
Lamentei as loucuras que não cometi, os homens a quem não me entreguei, aqueles a quem me entreguei e que me atiraram para os ansiolíticos e as benzodiazepinas à conta das quais arruinei a porta do carro, aqueles que me desejaram em silêncio e nunca me tiveram.
Lamentei ainda ter-me estruturado de uma forma que me impediu ousar viver de forma mais ligeira, sem preocupações, e inconsequente até. Só para evitar os disparates da juventude.

Agora que por força das actuais e futuras circunstâncias, o peso das minhas acções vai estar sempre à espreita, o terror dos disparates que não fiz antes agonia-me. Hoje, pelo menos.
Porque só mais tarde percebi que não se tem 20 anos e a vida por nossa conta para sempre. E que a vida não pode ser adiada. Que não há um "mais tarde é que vai ser a sério e agora não convém".

Em rigor, este post deveria ser colocado noutro lado, mas esta inelutável tendência é mais forte que eu. E hoje deu-me para aqui.

"Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje". Sempre me disse o meu pai. Ironia das ironias...

Quotidianos míticos

Acordo com um salto. Tomo consciência de mim. Desligo o despertador. Atiro-me para fora da cama. Arrasto-me para a casa de banho. Meto-me debaixo do chuveiro. Penso na roupa que vou vestir. Saio do banho. Visto-me. Seco o cabelo. Lavo os dentes. Prometo a mim própria que amanhã vou tomar o pequeno-almoço. Escondo as olheiras. Aumento o tamanho dos olhos. Recolho os objectos espalhados pela sala. Saio de casa. Encontro o vizinho do quarto andar. Entro no carro. Faço cinquenta quilómetros na auto-estrada. Chego ao destino. Tiro um café na máquina da entrada. Desespero pelo elevador. Entorno o café. Ligo o computador. Passo a manhã a ouvir mentiras. Espero pelo meio-dia e meia. Desço as escadas. Dirijo-me ao restaurante. Peço o prato do dia sem perguntar o que é. Entabulo uma conversa sobre o tempo. Almoço. Peço um café com adoçante. Pago a conta. Despeço-me. Volto para o computador. Passo a tarde a ouvir mentiras. Espero pelas seis da tarde. Desço as escadas. Entro no carro. Faço cinquenta quilómetros. Desligo o motor. Encontro o vizinho do quarto andar. Entro em casa. Ligo o computador. Procuro uma verdade no meio das mentiras do dia. Abro o frigorífico. Percebo que deveria ter ido às compras. Sento-me em frente à televisão. Prometo a mim própria que amanhã vou jantar. Coloco o computador no colo. Respondo aos mails do dia. Deito-me no sofá e reduzo as luzes. Assisto a cinco minutos de dez diferentes programas de televisão. Constato que é tarde. Lavo os dentes. Dispo-me. Enfio-me na cama. Ligo o despertador. Leio páginas de um livro. Começo a adormecer. Apago a luz. Acordo com um salto. Tomo consciência de mim. Tomo consciência de mim.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |

A tua voz ecoa na minha cabeça como numa sala vazia.

Vejo muitas vezes as tuas mãos e a cor de chumbo das tuas olheiras.

Todos os dias da minha vida.

domingo, 11 de abril de 2010

Hoje a manhã foi tua



Quando deixares que a noite te consuma o último ponto de luz
E os uivos dos cães lá fora se calarem
Quando observares as tuas mãos vazias no silêncio
E tudo o que te restar for uma sombra que alastra
Lembra-te que o frio, o nada, o escuro
Ocupam o exacto espaço da presença, do riso e da manhã

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Esta semana, lá no meu trabalho (Quando a realidade supera a ficção) III


Contexto: Velhinha de oitenta anos acusada de furtar um creme para rugas e uma pinça, num hipermercado perto de si.

-É verdade o que está aqui escrito?
- ãah???!
- Minha senhora, os factos que acabaram de lhe ser lidos …correspondem à verdade, ou não?
- Ai!! Já não me lembro, filhos!
(segue-se uma ligeira impaciência típica de quem passou a manhã a ouvir patranhas)
- Bem, a senhora já tem uma certa idade, mas isto são coisas que não se esquecem assim. Afinal, chamaram a polícia, foi revistada, teve que ir ao posto…
- Ãah?! Não, filhos!! Já não me lembro do que me leram...!

The bathtub


D. salvaste-me a vida

C. obrigada pela receita

A. love u

Before you grab the pain killer, go for the bubble bath.



quinta-feira, 8 de abril de 2010

Uma mulher deve


Envaidecer o seu marido em toda e qualquer circunstância.

Certificar-se que ele não sai à rua com o blazer ou casaco por escovar.

Ter em atenção a perfeição da engomagem das suas camisas.

Trazer os filhos aprumados.

Prover pelas flores em casa.

Lembrar-se todos os dias que são incompatíveis as palavras lingerie | confortável | prática.

Saber receber de acordo com o service à la française e o service à la russe.

Aceitar conduzir o carro a gasóleo enquanto ele acelera o carro a gasolina.

Ser uma filha para os pais dele.

Governar a casa com disciplina alemã, mas sem que isso se note.


Coisas que eu aprendi graças à Apple (harware e software por esta ordem)


1. Os meus amigos sentem no ar o cheiro das minhas cuquísses a trezentos quilómetros de distância.
2. Confirma-se o estudo sobre natureza humana segundo o qual quando uma mulher percebe que encontrou um obstáculo em vez de o tentar resolver, chama um homem.
3. Os homens não são melhores do que as mulheres a tentar descobrir a porta de entrada do cartão SIM no Iphone. Têm tendência a sentar-se em frente ao computador a ver vídeos na internet sobre como agarrar um clip e espetá-lo num buraco para puxar uma peça de plástico. Depois disso, fazem estranhos brain-stormings sobre o significado real da palavra “push”.
4. Os operadores telefónicos da assistência técnica da Vodafone podem não saber nada de telemóveis. Mas, em contrapartida, são extraordinários psicólogos. Conseguem ouvir todo o tipo de impropérios gritados durante dez minutos seguidos e concluir da seguinte forma inteligente: “Eu já percebi o problema. A senhora precisa de assistência personalizada. O seu problema só se resolve fisicamente”.
5. A imagem de um cabo a apontar para a figura de um CD (ver figura supra), deve ser interpretada como: ligar este cabo ao computador.
6. É muito difícil explicar-se “fisicamente” a um técnico da Vodafone que seis adultos, sendo dois deles operadores da assistência técnica telefónica da Vodafone e os outros quatro pessoas com profissões que até tenho vergonha de dizer, interpretaram a imagem referida no ponto anterior como “o seu cartão SIM não é compatível com este aparelho”.
7. É possível, durante três décadas, enganar-se e manter-se no engano toneladas de gente fazendo-os acreditar que somos pessoas muito inteligentes quando, na realidade, somos estúpidos como uma porta.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Estreia brevemente


mais uma película "Temos aqui um problema muito grave" que vai acabar no outlet do Freeport...

terça-feira, 6 de abril de 2010

A Senhora da Portagem



Esta manhã sentaste-te no cabeleireiro do teu bairro e durante uma hora e meia fingiste ser uma senhora.
Uma mulher chamada Jurassy armou-te o cabelo como o das estrelas do Dallas que continuam a ser a tua primária referência estética.
Quando estendeste a mão esquerda para que te pintassem as unhas de cor-de-rosa o teu dedo polegar fez deslizar duas vezes a aliança. Aquela em que o teu marido se esqueceu de mandar gravar a data do vosso casamento. E apesar de tu teres prometido que seria a primeira coisa que farias quando voltasses da lua-de-mel na Madeira, nunca o chegaste a fazer.
Hoje fazes quinze anos de casada. Trouxeste para o trabalho o excessivo vestido que usaste na primeira comunhão da tua filha mais nova. Hás-de sair de dentro do teu habitáculo, apanhar boleia do teu colega até ao autocarro, percorrer três quilómetros e vinte paragens. Desembocar directamente na churrasqueira onde já te espera o teu marido.
O teu marido é o homem sentado ao fundo da sala a fumar um SG ventil. Tem as mangas da camisa de flanela arregaçadas. Bebe uma imperial enquanto vigia o telejornal à espera das notícias sobre a bola. Não te comprou um ramo de flores. Mas deu-te trinta euros para que comprasses um presente para ti. Os mesmos que investiste nuns ténis para o teu filho mais velho. Porque os miúdos querem tudo o que vêem nos outros.
Vais-te esquecer de lhe dar um beijo antes de te sentares na sua frente. Hão-de comer um frango entre os dois e evitar o prato das azeitonas. Para fugir ao constrangimento do silêncio de quem nada tem para dizer, ele vai-te perguntar o que compraste para ti. Hás-de mentir, apresentando-lhe os brincos de bijutaria que a tua irmã te deu pelo Natal e que estás farta de usar na sua presença. Ele não ouvirá a tua resposta.
Um minuto antes de te levantares da mesa e entrares no Volkswagen Polo do teu marido, voltarás a fazer a aliança deslizar duas vezes sobre o teu dedo. Não foi isto que imaginaste quando esta manhã investiste no cabelo, nas unhas e no vestido. Também não foi isto que imaginaste quando há quinze anos atrás investiste no cabelo, nas unhas e no vestido. Mas este último pensamento jamais atravessará a tua consciência.
Por ora, no instante em que me devolves o cartão multibanco embrulhado na factura da portagem, és uma mulher poderosa. No teu penteado de Sue Ellen, nas tuas unhas de Pamela, no teu vestido de festa, nos teus projectos de telenovela.
São sinceros os teus desejos de boa viagem e é sincero o meu agradecimento. E se não te olho nos olhos é apenas por medo que o teu poder se desvaneça diante da tua imagem reflectida pela minha visão.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A Cama é um deserto


"De repente a cama vazia. A sensação de não pertencer mais aqui. Os corpos habituam-se aos corpos. Quando se separam é sempre por um corte, um rasgão. Fica uma ferida, é preciso ter cuidado, prestar atenção. As mulheres são seres alados que voam para longe. Os graves homens não. De repente, à luz da noite, a cama é um deserto.
Chamemos as coisas pelos nomes. O amor que transportamos vai-se gastando por onde passamos. Não nasce do vento. O que levamos deste amor para aquele é muito pouco, não chega para nada. É preciso ter a vontade e a energia e a concentração para começar tudo outra vez. Não somos donos de nada. O que importa é o que só passa e nem se deixa tocar com os dedos. É preciso ter cuidado. De repente, à luz da noite, uma só aflição."
Pedro Paixão, in Amor Portátil, Livros Cotovia

Riscos que se correm quando não se está quietinho em Lisboa ou de como a minha cidade natal é um sítio tão lindo e eu gosto tanto...


Saio de casa com a intenção de dar um simples passeio para sacudir a nostalgia que se me colou às pernas como um cão abandonado.
Caminho a pé pelas ruas completamente desertas, procurando com entusiasmo as melhorias que o progresso trouxe à minha cidade natal. Enquanto não consigo encontrar nenhuma, vou andando e andando mais, distraída com elevados pensamentos urbano-arquitectónicos do tipo: porque raio está uma fábrica poluente implantada no centro da cidade e ai que enquanto a maior parte das cidades celebriza o seu centro com uma estátua, uma grande rotunda ou uma fonte luminosa, esta marca-o com um cemitério.
Quando começo a recuperar do pasmo da fealdade de tudo quanto me rodeia, percebo que andei demais, que a dor insuportável que tenho nos pés não é uma manobra de distracção do meu generoso inconsciente para me aliviar o espírito dos incómodos da falta de estética e que com estas sandálias de salto alto tornou-se absolutamente impossível regressar a casa andando.
Nesse instante, com a violência de um choque eléctrico, ocorre-me que nesta terra não há metropolitano (que me conste nem sequer há um mísero túnel), que também não há autocarros e que é tragicamente improvável que um dos dois táxis que aqui existem passem por mim para me resgatar.
Assim, com os pés tolhidos de dor, cabelos despenteados pelo desagradável vento, enquanto inspiro lentamente o ar poluído das fábricas e me deprimo com a visão horrível do cemitério, dou por mim a perguntar-me como é que as pessoas desta terra fazem quando se lhes avaria o carro e querem ir aos sítios.
Absorta neste enigma e incapaz de me aguentar mais tempo em pé, tomo a corajosa decisão de me ir sentar num tugúrio de aspecto muito pouco convidativo, com o absurdo nome de café central, onde finjo que quero um café, apenas para que me deixem ficar lá sentada a engendrar uma forma de fugir dali para fora.
Estou eu a contemplar a chávena cheia de marcas de baton encarnado-prostituta que obviamente não é meu, quando, pelo canto do olho, capto a figura geriátrica da minha professora primária sentada numa mesa com outras cinco múmias, todas a tomar um chazinho.
Como não vejo a senhora há cerca de quinze anos, confio na falta de memória que costuma acompanhar a senilidade e acredito que desde que não me mexa muito consigo passar despercebida.
Trinta segundos depois, no exacto e inesquecível tom que utilizava para me chamar ao quadro, a sádica senhora interpela-me visivelmente plena de felicidade e orgulho. Quando estou prestes a fugir do café, sou detida, não pela boa educação, mas pelos pés destruídos pelas sandálias novas, acabando, assim, enrolada numa mesa cheia de velhas.
Sou miseravelmente atacada por seis professoras primárias de alguém - nelas se incluindo, medo, medo, medo, a que foi professora primária do meu pai - que insistem em dar-me os parabéns pela “bonita vida” que aparentemente escolhi, que juram que sou a pessoa mais elegante que já viram na sua mui longa vida e que fazem questão de me encher a cara de cuspo naftalinoso. Como se não bastasse, tocam-me. Tocam-me com aquele toque de velhinha desesperada que nos toca para ter a certeza que somos reais ou que ainda ali estamos ou para poder ir dizer às noras que nos tocaram. Ou seja, tocam-me propositadamente.
E ali estou eu, numa cidade horrível, com os pulmões carregados de poluição fabril, dentro de um café que só é central para os mortos, sem condições físicas para me arrastar, a ser atacada por um bando de ex professoras senis que agora insistem em enfiar-me um chá a escaldar pela garganta abaixo, quando o meu apuradíssimo instinto de sobrevivência me faz ter a fantástica ideia de me perguntar como é que, sem metro, autocarros e táxis e no pressuposto que as velhas ainda estejam vivas, terão ido ali parar.
É então que a resposta aos meus problemas surge do lado de fora do café, através dos vidros sujíssimos, em forma de um Mercedes dos anos oitenta, estacionado em cima do passeio. Dentro do Mercedes dos anos oitenta está um homem de colete encarnado a condizer com a tinta debotada do carro. Para que não haja dúvidas de que se trata de um chauffer, como me há-de informar já de seguida, no seu francês perfeito, a Dona Adelaide, colocaram-lhe um ridiculamente despropositado chapéu, daqueles que já só se consegue arranjar nos adereços dos filmes europeus de muito má qualidade.
E cinco minutos depois, ainda perseguida pelo bando mumificado que me inveja o vestido e me mexe na fita do cabelo e me espeta as unhas de encontro aos braços, sou empurrada para o interior do Mercedes que lá arranca entre os guinchos das professoras e os roncos do motor.
Quando finalmente me libertam em frente ao portão da casa da minha família, o meu profundo alívio por ter sobrevivido a um passeio pela terra natal é o mais próximo à felicidade do regresso às origens que me hão-de conseguir arrancar nos próximos quarenta anos da minha existência.
Ainda em estado de choque, nem reparo que o chauffeur da dona Adelaide, é, nem mais nem menos, que o mesmo homem que há vinte e cinco anos atrás conduzia a carrinha da escola que nos levava a todos a uma piscina municipal onde nadavam crianças e piolhos.
E o último pensamento poético da minha vidinha sobre o estupor da minha terra natal é o seguinte: Será que o raio da velha foi todos estes anos amante do motorista?!

sábado, 3 de abril de 2010

Cuca vai à santa terrinha



Mãe da Cuca, durante um passeio de carro:
- Vês querida, ali era a tua escola…
Cuca: sim, mãe. Eu lembro-me…como é óbvio.
Mãe da Cuca cem metros adiante:
- E ali, ali querida, é a casa da tua tia.
Cuca: evidentemente…
Mãe da Cuca percorridos mais cem metros:
- Ali, minha querida filha, é a quinta dos teus avós, onde tu moraste.
Cuca: ó mãe! Pelo amor de deus… o que é que te está a dar?!
Mãe da Cuca ignorando todos os protestos:
- E naquele pinhal, filha, era onde tu fazias piqueniques com a tua irmã…
Cuca: Mãe!!!!Pára tudo!!! Lá por ter aceite passar três dias nesta terra horrível não quer dizer que esteja amnésica! Nem que tenha morrido!!!
Mãe da Cuca com uma calma psicopata:
-Olha querida, podia ser que ressuscitasses mais simpática!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Notícia da semana: O FAD


Foi produzido um novo vício. E não se encham de entusiasmo os coraçõezinhos dos nossos eventuais leitores toxicodependentes. Não é um novo químico. Nem sequer é uma combinação de dois velhos químicos. Não se ingere, não engorda, não provoca Avcs, não é cancerígeno e nem sequer nos faz gastar todo o dinheiro da família.
Na nossa sociedade bem comportadinha existem gabinetes ocupados por uns senhores criteriosamente penteados, com umas batas brancas omicamente limpas, em redor de uns instrumentos esquisitos chamados normalómetros. Estes senhores usam os seus instrumentos para medir os nossos padrões de normalidade. Fazem gráficos comparativos e extraem conclusões. Tudo o que passe a linha definida pelo normalómetro faz disparar o terrível alarme social do excesso, assim se produzindo um novo vício.
O último grito dos vícios, num mundo em que já é banal ser-se drogado, bêbado, fumador ou jogador, é o aparentemente pacífico Facebook. E o vício já tem nome e tudo: chama-se FAD, que é como quem diz Facebook Addiction Disorder.
Da próxima vez que actualizarem o vosso estado, postarem umas fotografias, informarem o mundo de que gostam, ou comentarem as mensagens dos vossos amigos, saibam que a vossa motivação verdadeira pode não ser o facto de terem um emprego chatíssimo, excesso de tempo livre ou vontade de poupar dinheiro em telemóvel. Na sombra espreita-vos o monstro da adição que, por enquanto, ainda só se consegue assassinar em clínicas nos Estados Unidos da América. Portanto, já sabem: sempre que os vossos dedos começarem a tremelicar na direcção do botão do “publicar”, afastem-se rapidamente dos vossos computadores, dirijam-se até à porta, certifiquem-se que já estão na rua e acendam um cigarro. Esses quatro minutos de alcatrão podem salvá-lo do monstro do vício do Facebook. E parecendo que não, sempre é mais fácil comprar uma caixa de pastilhas de nicotina do que ir aos States matar o novo monstro.
Por outro lado, quando receberem convites de amigos, consciencializem-se que se os adicionarem podem estar a criar um pequeno viciado ou a alimentar a adição de um desgraçado entregue às garras do monstro. Como tal, organizem imediatamente uma intervenção na casa desse agarrado e levem-lhe várias garrafas de vinho. Em alternativa, podem convidá-lo para um serão no casino.
Os senhores cientistas dos normalómetros já se ocuparam de definir os parâmetros de utilização dos telemóveis, dos automóveis, da televisão, da rádio e da frequência dos shoppings e dos ginásios. E claro, o sexo! Tudo perigosas actividades aditivas! Em estudo está o consumo de pastéis de nata, das bolas de Berlim, da observação das montras e das idas ao oceanário de Lisboa.
Agora vou ali num instante colher o leite das vacas, semear uns girassóis, carregar dez vezes no gosto, aderir a um grupo parvinho e já volto.